O tema principal do filme seria o debate sobre o processo de aquisição de conhecimento ou espitemologia. Hauser ficara trancafiado até a idade adulta, praticamente sem interação social, o que protelou o desenvolvimento de sua linguagem falada/escrita, faculdades cognitivas, educação formal, cristã e musical. Trata-se de um contraponto às ideias de Descartes, por exemplo, uma vez que o processo de aquisição do conhecimento passa, no filme, pelo empirismo.
Haveria ainda uma defesa do bom selvagem, do homem em seu estado de natureza. A ideia é transmitida pela contraposição feita entre cenas de Kaspar sentindo-se bem no contato lúdico/empírico com a natureza e cenas em que uma exposição à intelectualidade secular/cristã e refinamento fazem-no sentir-se mal. Tal contraste parece encontrar seu clímax quando Hauser afirma ter sido mais feliz em seus anos de cativeiro do que quando entrou em contato com a sociedade. A base da infelicidade de Kaspar parece ter origem também em sua incapacidade de adquirir o conhecimento que lhe passou a ser imposto como válido/verdadeiro.
Foram ainda comentadas as duas histórias contadas por Hauser: a de seres humanos em procissão, subindo uma montanha em cujo topo encontrava-se a morte; e a de uma caravana guiada por um cego, o qual parece ver além/melhor do que aqueles considerados "normais" - numa referência à estranheza demonstrada pela sociedade com relação ao próprio Kaspar, evidenciada pela análise de seus órgãos internos, ao final do filme. Por ter sido privado da formação intelectual/social "normal", a exemplo do guia cego, Kaspar parecia ver além/melhor a natureza e o mundo ao seu redor do que a sociedade de sua época.
Como introdução à segunda parte da aula, a professora retomou o desafio de lógica posto a Kaspar (aldeia da verdade vs. aldeia da mentira), lendo uma história/lenda persa, a qual versava sobre o mesmo tema.
A segunda parte da aula foi expositiva, centrada no debate dos capítulos 2 e 3 do livro "Introdução à Lógica", de Irving M. Copi.
O capítulo 2, "Usos de Linguagem", inicia-se com a exposição de três funções da linguagem básicas:
- Informativa: objetiva, referencial, podendo ser avaliada como verdadeira ou falsa, usada para transmitir informações - como, por exemplo, a linguagem jornalística;
- Expressiva: criativa, geralmente ficcional ou metafórica, que não pode ser avaliada como verdadeira ou falsa - como, segundo exemplo citado pela professora, a autobiografia de Rousseau;
- Diretiva: ordens, convencimento - como, por exemplo, a linguagem de um professor em sala de aula, pedindo para que os alunos fiquem em silêncio.
Essas 3 funções da linguagem corresponderiam, respectivamente, às funções "referencial", "emotiva ou expressiva" e "conativa ou apelativa" estudadas na aula de Língua Portuguesa do dia 29 de abril de 2013. Corresponderiam, ainda, à 3ª, 1ª e 2ª pessoas do discurso, respectivamente. O texto também ressalta a possibilidade de coexistirem, num mesmo ato comunicativo, uma ou mais funções de linguagem.
O capítulo 3, "Falácias Não-Formais", trabalha a temática das falácias, isto é, "argumentos ou raciocínios que, embora incorretos, podem ser psicologicamente persuasivos".
Por exemplo: para as premissas "Todo homem é mortal." e "Vinícius é homem.", uma conclusão lógica, admitindo-se que as premissas sejam verdadeiras, seria "Vinícius é mortal." Entretanto, mantendo-se as mesmas premissas, a afirmação "Vinícius toma coca-cola." é irrelevante e desconexa, sendo, portanto, uma falácia.
O texto classifica as falácias da seguinte maneira:
- Ad Baculum (recurso à força): quando apela-se à força ou ameaça. É o caso quando tropas militares suprimem uma manifestação, como o ocorrido na Praça da Paz Celestial em 1989. Também ocorre quando um patrão, mediante um pedido de aumento de seu funcionário, após lamentar não poder atendê-lo, mostra-lhe a fila de candidatos à espera de uma vaga na empresa.
- Ad Hominem (ofensivo): quando, em vez de tentar refutar a verdade do que se afirma, ataca-se a pessoa que fez a afirmação. Por exemplo, pode-se imaginar o julgamento de um homem que tenha assassinado a própria esposa. A defesa deve apelar para o fato desse homem ter sido sempre um bom pai, enquanto a esposa, quando em vida, não dispensava cuidado suficiente aos filhos, além de viver uma vida de alcoolismo.
- Ad Hominem (circunstancial): quando as circunstâncias são usadas para justificar argumentos ou ações. É o caso dos generais nazistas julgados em Nuremberg, em agosto de 1945, os quais se julgavam como inocentes, mediante o argumento de que estavam apenas seguindo ordens superiores. Há também o exemplo do caçador que, quando moralmente censurado por sua prática, indaga ao seu opositor: "Porque se alimenta o senhor com carne de gado inocente?". Nesse caso, a falácia ad hominem sustenta-se na circunstância de o opositor não ser vegetariano.
- Ad Ignorantiam (argumento pela ignorância): quando não há provas para sustentar o argumento, como inicialmente alegaram os advogados de defesa do caso Eliza Samúdio. Na ausência do corpo da vítima, a defesa alegava ser impossível julgar-se a veracidade ou a falsidade da acusação.
- Ad Misericordiam (apelo à piedade): quando apela-se à piedade ou compaixão para que determinada conclusão seja aceita. É o caso do aluno que apela à professora a revisão de sua nota, uma vez que, na data da realização da prova, seu tio estava gravemente ferido no hospital. Também amplamente usada em campanhas de preservação do meio-ambiente, de redução de acidentes no trânsito ou contra a fome, as quais fazem uso de imagens impactantes (caça predatória, acidentes horríveis ou crianças esquálidas) para atingir seus propósitos.
- Ad Populum: fusiona outros tipos de falácia, como a ad misericordiam ou a ad hominem, para apelar à "anuência a uma conclusão que não é sustentada por boas provas". É o caso dos discursos populistas, das imagens de políticos com as mangas arregaçadas, abraçando crianças, apoiando a causa feminista, entre outros apelos emocionais.
- Ad Verecundiam (apelo à autoridade): quando apela-se a uma "falsa" autoridade como legitimação do que se afirma, normalmente alguém famoso, respeitado publicamente. Falácia usada em algumas propagandas e campanhas políticas/conscientização, como a campanha contra a instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, levada a cabo por artistas globais.
- Acidente: quando aplica-se uma regra geral a um caso particular, como em "O que comprei ontem, comerei hoje." Tal afirmação é uma regra geral para as compras, mas não se aplica à carne crua (que ainda deve passar por cozimento antes de ser ingerida) ou a outros itens, não-comestíveis, da compra.
- Acidente Convertido (generalização apressada): quando um ou mais casos particulares são usados na construção de uma regra geral. É o caso de Romeu, que, por pertencer à família Montecchio, é tido como inimigo da família Capuleto e, portanto, seria inadmissível aceitá-lo como pretendente de Julieta.
- Falsa Causa: quando determinado argumento é sustentado como consequência de uma falsa causa. É o caso das superstições do cotidiano. É também o caso da associação feita no passado entre a contração do vírus da AIDS e a liberdade sexual dos anos 1970, quando se argumentava que a primeira seria uma consequência direta da segunda.
- Petitio Principii (petição de princípio): quando a própria conclusão que se tenciona provar é usada como premissa, em um raciocínio circular. É o caso quando alguém afirma que "Machado de Assis é maior escritor que José de Alencar, porque as pessoas com bom gosto literário preferem Machado de Assis a José de Alencar." Quando se indaga o autor da afirmação sobre "Como definir as pessoas que têm bom gosto literário?", a falácia revela-se na resposta: "Aquelas que se identificam pelo fato de preferirem Machado a Alencar."
- Pergunta Complexa: quando há duas perguntas em uma só ou quando, implicitamente, assume-se parte da pergunta como algo já respondida, como em "Seus olhos sempre ficam vermelhos quando você fuma maconha?" ou "Você já deixou de bater em sua esposa?". No primeiro caso, a pergunta traz consigo a afirmação de que o interlocutor é um usuário de maconha. No segundo, afirma-se que, em algum momento, o marido tenha batido em sua esposa. Não se pode, portanto, responder a uma pergunta complexa com um simples "sim" ou "não" sem haver comprometimento do respondente com a afirmação que está nela implícita.
Aviso: Não haverá aula na próxima quinta-feira, pois a professora Carla Milani estará voltando de um congresso em Brasília. Ela pediu que esse tempo fosse aproveitado na resolução dos exercícios propostos no texto, apenas aqueles marcados com uma estrela. Esse trabalho deve ser feito, preferencialmente, em duplas. A nota desse trabalho comporá a nota final da disciplina.
Referências
- Capítulos 2 e 3 do livro "Introdução à Lógica", de Irving M. Copi.
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Protesto_na_Praça_da_Paz_Celestial_em_1989
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Julgamentos_de_Nuremberg
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Romeu_e_Julieta
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Síndrome_da_imunodeficiência_adquirida
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Epistemologia
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Usina_Hidrelétrica_de_Belo_Monte
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