No Capítulo 2, Traquina aponta três vertentes fundamentais para o desenvolvimento do jornalismo na democracia:
- sua expansão
- com a expansão da imprensa no século XIX
- com a expansão de novos meios de comunicação, como o rádio e a TV, no século XX
- com a expansão da internet, no fim do século XX e início do século XXI
- sua comercialização
- com a emergência de uma nova mercadoria: a informação/notícia
- sua profissionalização
- com a profissionalização dos jornalistas e consequente definição das mesmas em função de valores e normas que apontam para o papel social da informação numa democracia.
A expansão da imprensa
É no século XIX que emerge um novo paradigma do fazer jornalístico: informação, não propaganda. A notícia vira bem de consumo, as tiragens e a comercialização (vendas + assinantes) aumentam. É o que Traquina chama de "novo jornalismo", isto é, o jornalismo como empresa ("penny press"). A professora Silvana Coleta lembrou que "novo jornalismo" também pode se referir a uma vertente mais literária do jornalismo, principalmente nos EUA das décadas de 1960 e 1970.
A instalação desse novo paradigma, que despolitiza a imprensa, privilegiando os fatos e não a opinião/propaganda, só foi possível com a chegada de novas formas de financiamento dos jornais, via receitas com publicidade e rendimentos crescentes das vendas. A professora comentou a respeito das diferenças no estilo de jornalismo praticado nos EUA e na França atualmente. A escola norte-americana valorizaria os fatos, enquanto a escola francesa valorizaria a opinião.
Assim, o século XIX pode ser considerado o "século de ouro" do jornalismo devido à sua expansão, comercialização e profissionalização, sustentadas:
- pelo desenvolvimento econômico-capitalista - transformando a notícia em bem de consumo;
- pelo desenvolvimento tecnológico - viabilizando altas tiragens e rapidez na veiculação das notícias;
- por fatores sociais como:
- a alfabetização - com a instituição de escolas públicas, formando o público consumidor;
- a urbanização - facilitando a distribuição e concentrando o público consumidor.
- pelo desenvolvimento do sistema político - caminhando rumo à democracia, liberdades individuais e de imprensa.
A luta pela liberdade
Para Traquina, "a afirmação da nova legitimidade jornalística ocorre perante o antagonismo do poder político, inserido num processo secular em luta pela liberdade, e, subsequentemente, pela conquista de uma nova forma de governo: a democracia. O poder absoluto é posto em causa e existe a procura de caminhos alternativos, perante dúvidas sobre os benefícios e os custos de um sistema de poder que tem como base a 'opinião pública'."
Contribuições à luta contra a censura de um poder político absoluto, sob a forma de monarquia:
- John Milton: Areopagítica, meados do século XVII - manifesto contra a censura, só a apresentação de todos os lados de uma questão poderá permitir a sua compreensão;
- John Locke: Two Treatises on Government, 1960 - defesa do direito de revolução;
- Montesquieu: O Espírito das Leis, 1748 - bases para a Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa de 1789;
- Rousseau: O Contrato Social, 1762 - as expressões "interesse público" ou "opinião pública" ganham sentido político;
- Voltaire: conceito de tolerância; a autoridade da lei; a importância da liberdade de opinião.
"Impulsionada pelas revoluções americana (1776) e francesa (1789), a liberdade torna-se um princípio sagrado."
O "Quarto Poder" e a democracia
Aqui Traquina defende o desenvolvimento do jornalismo em simbiose com a democracia, isto é, à medida que a democracia/liberdade ia ganhando novos sentidos/rumos, o jornalismo também assim o fazia.
A expressão "quarto poder" (do inglês, fourth state), por exemplo, é usada pela primeira vez em 1828 por um deputado do parlamento inglês, McCaulay, referindo-se aos jornalistas como um "quarto estado", considerando os três estados da Revolução Francesa (clero, nobreza e camponeses/burguesia nascente). À época, a imprensa ainda era identificada como sendo constituída de demagogos, fanáticos, conspiradores ou escritores de terceira categoria.
É com o desenvolvimento das filosofias liberais-democráticas dos séculos XVII, XVIII e XIX, particularmente com as ideias dos "utilitaristas ingleses" Bentham e Mills, que a ideia de jornalismo como "quarto poder" revolucionário e/ou de conspiração transforma-se na concepção que se tem hoje de "quarto poder", que, por um lado, fiscaliza os poderes republicano-democráticos, e que, por outro lado, nutre e expressa a opinião pública.
O novo jornalismo
Na concepção trabalhada por Traquina, o novo jornalismo é o jornalismo de empresa, despolitizado, que acompanhou o desenvolvimento do ideário democrático, passando de porta-voz de propaganda política a:
- vigilante do poder político e protetor dos cidadãos contra eventuais/históricos abusos dos governantes (liberdade "negativa", segundo a conotação trazida por Traquina);
- prestador de serviço público, fornecedor de informações aos cidadãos - informações necessárias para o desempenho das suas responsabilidades cívicas (liberdade "positiva").
Nessa trajetória de desenvolvimento do jornalismo, muda-se o conceito de notícia. Passa-se de um jornalismo de opinião para um jornalismo de informação. A notícia é algo objetivo, factual, eventualmente sensacionalista, que traz atualidade, novidade e, sobretudo, que é de interesse público.
A professora comentou aqui sobre a diferença entre "interesse público" e "interesse do público". Falou-se também da transformação da concepção de repórter ao longo do tempo, de fanático revolucionário e porta-voz de um ideário propagandístico a portador da verdade, dotado (algumas vezes) de certo prestígio entre as elites sociais e políticas. Falou-se ainda da especialização e crescente divisão do trabalho na imprensa.
No Capítulo 3, Traquina discorre sobre a profissionalização do jornalismo.
Inicia-se o capítulo falando sobre o pouco prestígio que tinham os jornalistas do século XIX. "É o mais vil e degradante de todos os ofícios, porque são necessárias mais hipocrisia e afetação, e mais subserviência aos baixos sentimentos dos outros para o exercer, que em qualquer outro negócio." (John Stuart Mills, citado em Elliott, P. 1978:176, "Professional Ideology and Organizational Change: The Journalist Since 1800").
À época, com uma situação grave de desemprego, os jornalistas submetiam-se a baixos salários. Eram, entretanto, dotados de um certo prestígio por ser uma profissão intelectual, requerendo uma educação literário, mas sem a exigência de um período de preparação longo e dispendioso.
"Com o desenvolvimento da reportagem, e em particular a grande reportagem, o jornalismo ganha algum prestígio. [...] Na virada do século, a conotação da palavra "repórter" mudou completamente. O termo, que designava 'a mais humilde categoria das gentes da imprensa', vai tornar-se 'como por uma metamorfose à vista desarmada, uma das mais prestigiadas e invejadas'."
A regulamentação da profissão inicia-se nos EUA. Havia, à época, grande insegurança e instabilidade no emprego de imprensa. Além disso, trabalhava-se muitas horas e tinha-se poucas férias. Tais condições de trabalho refletiam-se nas notícias. O sistema de pagamento por linhas, levava alguns a "esticarem" as notícias. O sensacionalismo garantia melhores hipóteses de publicação e, portanto, de pagamento ao jornalista. Citações de nomes de políticos ou de celebridades também geravam alguns rendimentos.
A profissionalização do jornalismo como se conhece hoje passou pela formação de clubes e associações, além do surgimento de cursos universitários que institucionalizaram a profissão. Além disso, o texto jornalístico vai ganhando contornos próprios a partir do final século XIX e principalmente no século XX, fazendo emergir um sentido de autoridade profissional.
A preocupação deontológica (preocupação ética do que veicular, do que não veicular, de como veicular, direitos e obrigações do jornalista ao veicular a infomação) e a formatação da mensagem jornalística sob a manifestação de crescentes saberes específicos (conceitos de pirâmide invertida, lead, gênero entrevista, gênero reportagem, linguagem específica, estenografia) começam a "reivindicar um monopólio de saberes, indicativo da construção de uma 'profissão'."
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Próxima aula: Prova!!! Matéria:
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Próxima aula: Prova!!! Matéria:
- Livros do Nilson Lage ("A Estrutura da Notícia" e "A Linguagem Jornalística");
- Prefácio + Capítulos 1 e 2 do livro do Nelson Traquina ("Teorias do Jornalismo").
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