- Por que estudar História da Imprensa? (Rosana Borges)
- Como escrever uma História da Imprensa? (Marialva Barbosa)
Por que estudar História da Imprensa?
Diferença entre imprensa, jornalismo, mídia, meios de comunicação, veículos de comunicação e veículos jornalísticos. A voz é o principal meio de comunicação que utilizamos no nosso cotidiano. Uma mídia pode ser eletrônica, impressa, rádio, TV, etc. A Rádio Universitária é um exemplo de veículo de comunicação. O Jornal Nacional e a CBN são exemplos de veículos de jornalismo.
Diferença entre cronologia e história. A cronologia apenas elenca e organiza os fatos, parte inicial do trabalho do historiador. O tempo histórico é diferente do tempo cronológico. Como veremos, é preciso entender a história como um processo, em última instância, de interpretação.
Mitos e silêncios. A história, seja ela a história oficial ou a história oral, cristaliza mitos, reinventando-os ao longo do tempo. Nesse sentido, a própria história, isto é, o fazer história, é um elemento histórico, relativo ao tempo, ao espaço e aos agentes humanos que a produziram. Por outro lado, o silêncio com relação a fatos históricos perpetua injustiças - daí a importância de, no processo de sistematização da história, revisitarmos constantemente o passado, colocá-lo à prova, questionar as fontes históricas a que se teve acesso até então.
Fontes históricas. Não são espelhos fieis da realidade, mas recortes particulares da mesma, estes últimos tendo sido produzidos por sujeitos históricos - daí concluirmos a impossibilidade de se haver neutralidade e isenção completa no registro e transmissão das fontes históricas. Espelham a percepção de uma época, circunscrita a um espaço geográfico, a respeito do cotidiano, das ideologias e mentalidades de outrora, sendo, potencialmente, elementos de reconstrução dialética do passado, sobretudo se consideradas em sua pluralidade.
Pontos de interseção entre os trabalhos do jornalista e do historiador. Ambos registram (ou mesmo produzem) realidades, buscando a sua compreensão. Levantam fatos históricos, promovem relações entre os mesmos, sistematizam essas relações e produzem interpretações periódicas das mesmas.
A questão da verdade. Mais um ponto de interseção entre os trabalhos do jornalista e do historiador: a questão da veracidade dos fatos a serem registrados. A verdade enquanto juízo verdadeiro ou proposição verdadeira, isto é, a verdade absoluta ou objetiva, não está ao alcance de sujeitos históricos, não-neutros. Nesse sentido, a verdade tem cunho filosófico. Por outro lado, a verdade enquanto possibilidade interpretativa, enquanto processo de construção, esta, sim, está ao alcance de jornalistas e historiadores. Nesse sentido, a verdade se assemelha ao conhecimento, apresentando um caráter cumulativo e mutável ao longo do tempo.
Verdade
(Carlos Drummond de Andrade)
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar.
Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
(Carlos Drummond de Andrade)
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar.
Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Como escrever uma História da Imprensa?
História linear. Conceito de História. A história não é uma mera sucessão de fatos e datas que marcaram uma determinada mudança. Essa concepção de história linear é, em muito, tributada à ideia de progresso do pensamento positivista. A história deve ser encarada como um processo, onde estão presentes grandes nomes e datas, mas também particularismos, repetições, vestígios e, sobretudo, anônimos. Construções históricas que associam a mudança a grandes nomes são, em sua maioria, tributárias de estratégias de poder.
História da Imprensa? Marialva Barbosa aponta três tipos de reflexões que têm proliferado sob a designação de "história da imprensa", mas que não necessariamente ultrapassam a superficialidade do fazer história sob a ótica linear-positivista:
História da Imprensa? Marialva Barbosa aponta três tipos de reflexões que têm proliferado sob a designação de "história da imprensa", mas que não necessariamente ultrapassam a superficialidade do fazer história sob a ótica linear-positivista:
- reflexões que se limitam a reportar o aparecimento e o desaparecimento de periódicos, quando muito correlacionando esses fatos com o momento social e político vivido;
- pesquisas que procuram interpretar fenômenos jornalísticos datados à luz de análises estruturais, semiológicas, construtivistas;
- pesquisas que procuram ver os textos jornalísticos como portadores de uma mensagem ou de uma ideologia, sem considerar as influências culturais e as condições de produção dos mesmos.
O fazer histórico. Fazer história não é simplesmente aprender com o passado para que não cometamos os mesmos erros de nossos antepassados. Fazer história é visitar e revisitar as fontes históricas, de modo a falar daquilo que, no presente, é relevante à reflexão e, a partir dela, à mudança. "É perceber a história como um processo complexo, no qual estão engendradas relações sociais, culturais, falas e não ditos, silêncios que dizem mais do que qualquer forma de expressão. [...] Compete ao historiador perguntar pelos silêncios."
História da Imprensa. Portanto, "há que se considerar a noção de sistema enquanto o cerne das relações comunicacionais. [...] Falar em história da imprensa é falar de processos comunicacionais e das intricadas relações que se desenvolvem em torno desse sistema de comunicação" ao longo do circuito da comunicação, isto é, "o percurso que se faz e que vai dos produtores do texto às formas de apropriação diferenciadas das mensagens pelo público." Note que Marialva usa o termo "apropriação" (e não, possivelmente, "absorção" ou "recepção") para indicar que esse não é um processo passivo.
História da imprensa como história cultural. Marialva insere a história da imprensa dentro do campo da história cultural. Na definição de Roger Chartier, "o modo como, em diferentes lugares e momentos, uma dada realidade é construída, pensada e dada a ler." Note que a expressão "dada a ler" alude à interpretação da mensagem ou realidade em questão. Nesse contexto, a história aproxima-se da ficção, não no sentido de que o fato não tenha, de fato, ocorrido, mas considerando que o fato é passível de interpretação no processo de apropriação do mesmo pelo historiador. "Fazer história é recriar o passado, [...] reinterpretando esse passado."
Fazer história da imprensa é, portanto, estudar um conjunto específico de textos ou textualidades, estudando-os de forma sistêmica, da produção à apropriação pelo leitor, considerando-os como objetos culturais, dependentes das relações entre os elementos desse complexo sistema denominado sistema de comunicação.
Interdisciplinariedade. Enquanto elemento cultural, a história (e, em particular, a história da imprensa), aproxima-se de outras áreas do conhecimento. Alguns exemplos:
- economia
- sociologia
- antropologia
- literatura
Cultura do escrito. A impressão afetou a vida popular a partir do século XVI e enriqueceu o repertório visual do campo, "mas não modificou a confiança das comunidades ruais na tradição oral. [...] Diversos enventos de natureza cultural (como festivais, tumultos ou charivaris) têm uma função e um significado específicos para os participantes e para a comunidade." Entretanto, é preciso levar em conta o fato de a comunidade não ser totalmente coesa, nem passiva, historicamente, diante das transformações das relações de poder. Portanto, enquanto patrimônio cultural, o escrito acompanha essas transformações, bem como as idiossincrasias dos diferentes retalhos constituintes do tecido social.
Metodologia proposta por Robert Darnton para a construção de uma história social e cultural da comunicação:
Em resumo, Marialva Barbosa propõe a construção de uma história da imprensa que: [1] leve em conta as particularidades do próprio fazer histórico; [2] considere as especificidades do processo de consulta às fontes históricas, enquanto textos e textualidades; [3] a imersão do pesquisador em seu objeto de estudo, isto é, a impossibilidade de se fazer história com total isenção ou neutralidade.
"A história, portanto, não fala do passado, mas do presente, tal como a operação de memória. O que ela possibilita, apenas, é uma dada reconstrução desse passado, reconstrução essa feita através de um diálogo que nos ajuda, sobretudo, a entender melhor o presente. [...] A história exorciza a morte."
Uma última ideia do texto, trabalhada em sala, é o fato de que não podemos julgar apressadamente algumas das ações dos homens do passado, baseando-nos nos códigos de moral e ética do presente. E isso, justamente pelo fato de que, a exemplo da história, esses códigos de moral e ética são, em boa medida, construções culturais.
Metodologia proposta por Robert Darnton para a construção de uma história social e cultural da comunicação:
- 1ª etapa: quem escrevia os jornais? como procuravam se popularizar? como funcionavam essas empresas? de que forma os textos chegavam ao público?
- 2ª etapa: como os leitores entendiam os sinais na página impressa? quais eram os efeitos sociais dessa experiência? - "Uma nova tecnologia pressupõe, sempre, uma recepção pela sociedade, uma espera, muitas vezes, anterior mesmo à emergência da própria tecnologia."
Em resumo, Marialva Barbosa propõe a construção de uma história da imprensa que: [1] leve em conta as particularidades do próprio fazer histórico; [2] considere as especificidades do processo de consulta às fontes históricas, enquanto textos e textualidades; [3] a imersão do pesquisador em seu objeto de estudo, isto é, a impossibilidade de se fazer história com total isenção ou neutralidade.
"A história, portanto, não fala do passado, mas do presente, tal como a operação de memória. O que ela possibilita, apenas, é uma dada reconstrução desse passado, reconstrução essa feita através de um diálogo que nos ajuda, sobretudo, a entender melhor o presente. [...] A história exorciza a morte."
Uma última ideia do texto, trabalhada em sala, é o fato de que não podemos julgar apressadamente algumas das ações dos homens do passado, baseando-nos nos códigos de moral e ética do presente. E isso, justamente pelo fato de que, a exemplo da história, esses códigos de moral e ética são, em boa medida, construções culturais.
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