quarta-feira, 27 de agosto de 2014

História da Imprensa - Aula 3

Nesta aula, antes do intervalo, começamos a trabalhar o texto "A mídia e o desenvolvimento das sociedades modernas", segundo capítulo do livro "A mídia e a modernidade - Uma teoria social da mídia", de John B. Thompson.

Depois do intervalo, realizamos uma atividade de fechamento da primeira unidade do curso "Por que escrever uma história da imprensa?", relacionando os textos lidos até aqui com o filme "Uma cidade sem passado".

A carta a seguir é um exemplo de síntese das ideias contidas nos textos e nos filmes com os quais trabalhamos nesta primeira temática da disciplina.

Caro Martin,

Escrevo para dizer que nossas filhas estão bem, apesar dos acontecimentos dos últimos dias. Já tive a chance de conversar com meus pais, minha avó e meu tio sobre tudo o que aconteceu. Apesar de todos continuarem preocupados com a segurança de nossa família, eles compreendem os motivos que me levam a seguir com as minhas pesquisas sobre o passado de Pfilzing. Não é uma história qualquer, meu amor. É a história de nossa cidade natal. É a nossa própria história. Não se trata de uma mera motivação ou vaidade pessoal. Reconstruir o nosso passado, trazer à tona injustiças históricas, desmascarar grandes nomes, tidos, até então, como herois da resistência face ao nazismo... Já te disse, mais de uma vez... É um compromisso que tenho com o povo daqui, com a minha gente, com aqueles que amo. É um legado que deixo para a nossa cidade, para nossas filhas, para nossos netos.

Não posso me calar, não agora. Fiquei até honrada quando soube que a cidade iria me homenagear com um busto, no prédio da prefeitura. Não é todo dia que se recebe uma homenagem assim. Senti a mesma alegria de quando fui condecorada com aquela medalha pelo Sr. Prefeito, quando venci aquele concurso de redação e viajei, pela primeira e única vez em minha vida, a Paris. Alegria de menina. Por um lado, pensei que aquele busto pudesse permanecer, ali na prefeitura, como um símbolo da minha perseverança no trabalho de investigação que empreendi nos arquivos municipais e nos arquivos do Pfilzinger Morgen - ou, pelo menos, no pouco a que tive acesso. Por outro lado, sei que não sou mais aquela menina de anos atrás.

Você se lembra de como eu me dedicava aos estudos? E pensar que foi ali, no Colégio de Moças, que nos conhecemos... Você se lembra? Nunca me esqueço do nosso primeiro beijo, à sombra da Árvore dos Desejos, onde fazia minhas orações. Você terminou seu mestrado, voltou para Pfilzing, nós nos casamos, tivemos duas filhas... Também passamos por tempos difíceis, é verdade, como quando me envolvi com aquele processo judicial contra a prefeitura, ou quando acabei me dedicando tanto à minha pesquisa que você teve de assumir algumas tarefas domésticas, cuidar das meninas... Passamos por tudo isso juntos, construímos toda uma vida aqui, essa é a nossa história. Você não pode simplesmente jogar tudo pro alto e partir pra Munique assim.

Nós crescemos, Martin, amadurecemos. Não podemos nos omitir, por medo de novas retaliações. Se antes eu servia de exemplo a meus irmãos, como boa menina e boa aluna, agora eu quero servir de exemplo a minhas filhas, aos cidadãos de Pfilzing. Exemplo de mulher, de integridade, de coragem, de ética. Exemplo de alguém que não se cala diante de ameaças ou em troca de homenagens. Nosso país caminha rumo à reunificação. Já vivemos tantas transformações e outras tantas parecem estar por vir. Eu poderia ir com as meninas para Munique, ficaríamos todos juntos de novo. Mas eu teria de abandonar minha família, meus ideais. Renunciar a uma parte da minha história. Por um ponto final à revisão da história de Pfilzing - revisão que eu apenas iniciei.

Não há pontos finais em História, Martin. Nem é possível apagar totalmente - para sempre - aquilo que um dia se viveu. Sim, tentaram, aqui em Pfilzing, silenciar, não só a mim, mas também a muitos outros. Tentaram apagar a memória desses que se viram obrigados a marchar para a morte, para aquele campo de concentração de que minha avó me falou. Tentaram lançar ao esquecimento a prisão daquele judeu anônimo, preso graças à influência do Sr. Juckenack e à omissão do padre Brummel. Tentaram fazer de Pfilzing um mito. Um mito do qual muito me orgulhei nos tempos de menina. Uma pequena cidade alemã, social-democrata, eternamente avessa aos horrores praticados pelos nazistas do Terceiro Reich. Sabemos que não foi assim, querido. E só exorcizamos parte desse passado.

Sentimos na pele, repetidas vezes, a covardia de jovens ainda fascinados pelos engodos da ideologia nazista. Lembro-me de quando você, heroicamente, nos protegeu de um desses ataques. Quando essa loucura vai ter fim? Estamos falando de uma nova Alemanha, mas, onde está a novidade? O tempo histórico corre lentamente, há mais permanências do que transformações. As ações desses jovens e a impunidade, que ainda paira sobre os crimes de um passado velado de Pfilzing, são prova disso. Só vejo duas opções: ou escolho colaborar com a manutenção de uma lógica de poder, encabeçada, há anos, por Estado, Igreja e parte da imprensa; ou escolho, no mínimo, legar fontes históricas mais próximas da realidade que aqui se viveu entre 1933 e 1945 à Pfilzing do futuro. Fazer parte deste processo é meu sonho, Martin, meu ideal.

Ideal que ainda pode estar bem distante da verdade, isto é, daquilo que realmente se passou naquela época. Mas prefiro pecar por excesso a pecar por omissão. Quanto mais fontes e documentos históricos eu consultar, mais próxima ficarei dessa verdade, mais próxima estarei do meu sonho. Um dia fui à Árvore dos Desejos e lá sonhei em ter você ao meu lado. Naquela época, minhas orações foram atendidas. Desde que me neguei a colaborar com os supostos herois da cidade, tenho sentido muito medo, Martin. Temo pela vida das meninas. Sem você por perto, é ainda pior. Minha fé de menina parece ter dado lugar a uma injeção de dúvidas e incertezas. A sombra da Árvore dos Desejos parece não mais ser um refúgio seguro. Desta vez, não tenho tanta certeza de que minhas preces serão atendidas.

Os tempos são outros, meu amor. Minha irmã decidiu ir estudar Moda na França e meu irmão vai se casar com uma linda jovem jamaicana. Meu tio, minha avó e meus pais estão cada vez mais dependentes dos meus cuidados. Preciso de você, mais uma vez, ao meu lado, ao lado das crianças. E você... Você precisa do meu perdão. Compreendo os motivos que te levaram a partir. Peço, entretanto, que você volte, pois juntos poderemos dar novos rumos à nossa história.

Saudades,
Sonja


Nenhum comentário:

Postar um comentário