sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Ética Jornalística - Aula 2

Nesta segunda aula, o professor Edson Spenthof promoveu um debate sobre o texto "Jornalismo já tem sua teoria", uma transcrição de uma palestra ministrada por Adelmo Genro Filho no Encontro Regional de Estudantes de Comunicação, em julho de 1987, em Porto Alegre. O texto desenvolve uma linha de raciocínio iniciada na aula anterior, baseada na seguinte frase, de Adelmo Genro Filho: "A teoria, na prática, só é outra se a teoria for ruim."

Adelmo parte do pressuposto que, até então, não havia uma concepção teórica satisfatória a respeito do Jornalismo. Em seguida, ele confronta o conhecimento empírico (ou pragmático, do dia-a-dia, do senso comum) e o conhecimento teórico, admitindo a importância do primeiro, mas reconhecendo que apenas o segundo é capaz de realizar uma generalização ou universalização do fenômeno observado. "Na prática é que a teoria comprova a sua efetividade. [...] Só a teoria fornece um tipo de conhecimento profundo capaz de direcionar a prática. [...] A única maneira de captar a essência das coisas é através de uma apreensão teórica."

Para chegar à essência (concepção teórica) do Jornalismo, isto é, àquilo que é "concreto" no fenômeno denominado "Jornalismo", Adelmo propõe diferentes formas de abordagem.

Um primeiro ponto de vista aborda o Jornalismo enquanto generalidade abstrata, enquanto "forma de comunicação". Para Adelmo, essa definição capta apenas a generalidade do fenômeno e não aquilo que lhe é específico. "É geral, mas é abstrato, não capta o concreto, só tem a generalidade, não contém a especificidade."

Um segundo ponto de vista aborda o Jornalismo do ponto de vista positivista e funcionalista. O Jornalismo seria uma forma de comunicação que serve para integrar e adaptar o homem ao seu papel social. Adelmo questiona: "Será que o Jornalismo é, exclusivamente, uma forma de integração do indivíduo no papel que a sociedade lhe atribui? Ou o Jornalismo tem potencialidade para mais?" O autor afirma que, sim, citando, como exemplo, o caráter pedagógico/educativo do Jornalismo.

Um terceiro ponto de vista aborda o Jornalismo como uma forma de comunicação que serve para reforçar a hegemonia ideológica da burguesia e reproduzir a dominação de classe. Assim, o Jornalismo seria um instrumento de reforço da ordem vigente. Essa definição também parece inapropriada, já que reduziria o Jornalismo a apenas uma de suas funções em uma sociedade de classes. O Jornalismo não deixaria de existir em sua essência, mesmo estando abolidas todas as formas de exploração do homem pelo homem.

Adelmo faz então uma crítica à própria abordagem desenvolvida por ele até aqui. Ao invés de partir de um conceito pronto, acabado, para, só então, tirar conclusões a respeito do Jornalismo, ele propõe partir de um conceito provisório de Jornalismo, ampliando-o ao longo da reflexão e da discussão.

Ele reinicia dizendo que o Jornalismo é uma forma social de conhecimento. Mas há outras formas sociais de conhecimento, como a arte e a ciência. Adelmo recorre então à filosofia dialética de Hegel para diferenciar o Jornalismo de outras formas sociais de conhecimento.

Na dialética de Hegel, todas as coisas possuem três dimensões ou categorias: singular, particular e universal. Edson Spenthof é um ser humano. Esta é uma afirmação universal, a qual enquadra Edson no universo de todos os seres humanos. Por outro lado, Edson é goiano, professor universitário. Essas afirmações o posicionam em um grupo particular, dentro do universo de todos os seres humanos. Nem todos os seres humanos são goianos ou professores universitários. Em última instância, entretanto, Edson possui características físicas (DNA, impressões digitais) e traços de personalidade que o tornam único, singular.

Essas dimensões ou categorias (singular, particular e universal) não são fixas, mas relativas. Um novo raciocínio apontaria novas categorias para o exemplo envolvendo o professor Edson Spenthof. Trata-se de uma relação dialética. Além disso, em cada uma das dimensões estão presentes as demais. De alguma forma, no universal, também estão contidos os casos singulares e particulares. Se eu digo "Edson Spenthof", de alguma forma subjacente, nesse singular, está contido o gênero humano.

Para Adelmo Genro Filho, o Jornalismo é uma forma social de conhecimento cristalizada no singular. A ciência, em contrapartida, seria uma forma social de conhecimento baseada, por excelência, no universal. Já o Jornalismo surge a partir de uma necessidade social de conhecimento de uma realidade que não é mais a nossa realidade imediata ou direta, mas indireta. Essa necessidade decorre da emergência e rápido desenvolvimento do capitalismo, sistema que transformou o mundo em um todo interdependente. A singularidade que agora percebemos não pertence à escala local, mas à escala global. "O nosso mundo não é mais a aldeia, o nosso mundo é uma aldeia global, o nosso mundo é a totalidade do universo."

O jornalista cumpriria, assim, o papel de mediador entre a realidade (os fatos) e o público. Entretanto, essa mediação recebe uma inflexão ideológica do próprio jornalista ou da organização em que ele está inserido - representada, essencialmente, na figura do editor. "Toda forma de conhecimento pressupõe também um posicionamento do sujeito diante do objeto."

Aqui se recai no tradicional impasse entre jornalismo objetivo e jornalismo opinativo. Como vimos, para Adelmo, a total neutralidade do jornalista diante dos fatos é impossível. Entretanto, ele vê no jornalismo opinativo uma adjetivação excessiva, um número excessivo de afirmações e pressupostos éticos universais. "O problema é que, quando eu vou ler uma notícia, isso não interessa." Adelmo defende, portanto, um jornalismo objetivo, isto é, com as mesmas características e competências do jornalismo que se pratica hoje, mas com uma visão de classe distinta, não mais centrada no ponto de vista da classe dominante. Um jornalismo invariavelmente não-neutro, não-isento. Mas um jornalismo objetivo, cristalizado no singular.

Ao final de sua palestra, Adelmo defende a ideia de que a pirâmide invertida (modelo de construção da notícia em que as informações mais importantes viriam em primeiro lugar, deixando-se informações menos relevantes para os parágrafos subsequentes) está, de fato, invertida. Nessa crítica, Adelmo diz que o que há de mais relevante em uma notícia é, precisamente, aquilo que lhe torna singular - este seria o cume da pirâmide, informação a ser colocada no lead (primeiro parágrafo da notícia). Em seguida, a contextualização da notícia viria nos parágrafos seguintes, enquadrando a notícia dentro daquilo que a torna particular. A base da pirâmide, isto é, a formulação de teses universais sobre a notícia em questão, ficaria à cargo do leitor, durante o processo de apropriação da notícia.

Ao final da aula, chegamos à conclusão de que o Jornalismo ideal seria um "mosaico de parcialidades". Objetivo, mas parcial. Parcial, mas plural. Plural, mas singular. Essa pluralidade na abordagem do singular (ou das diversas singularidades presentes no singular, a depender da inflexão ideológica do observador dos fatos) aproximaria o Jornalismo de seu ideal de imparcialidade, reconhecendo as suas deficiências na busca da total neutralidade e escolhendo a via da objetividade como alternativa à parcialidade assumida e universalizante do Jornalismo opinativo, tal como o conhecemos hoje. Apenas a pluralidade (no sentido de busca por imparcialidade) conferiria veracidade à notícia, conquistando, de fato, a confiança do leitor, traduzindo-lhe uma realidade não-imediata.

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