Jornalismo como produção de conhecimento
[...]
Jornalismo como mediação da realidade
[...]
Resumos de aulas do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás - Turma de 2013
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
quarta-feira, 27 de agosto de 2014
História da Imprensa - Aula 3
Nesta aula, antes do intervalo, começamos a trabalhar o texto "A mídia e o desenvolvimento das sociedades modernas", segundo capítulo do livro "A mídia e a modernidade - Uma teoria social da mídia", de John B. Thompson.
Depois do intervalo, realizamos uma atividade de fechamento da primeira unidade do curso "Por que escrever uma história da imprensa?", relacionando os textos lidos até aqui com o filme "Uma cidade sem passado".
A carta a seguir é um exemplo de síntese das ideias contidas nos textos e nos filmes com os quais trabalhamos nesta primeira temática da disciplina.
Caro Martin,
Escrevo para dizer que nossas filhas estão bem, apesar dos acontecimentos dos últimos dias. Já tive a chance de conversar com meus pais, minha avó e meu tio sobre tudo o que aconteceu. Apesar de todos continuarem preocupados com a segurança de nossa família, eles compreendem os motivos que me levam a seguir com as minhas pesquisas sobre o passado de Pfilzing. Não é uma história qualquer, meu amor. É a história de nossa cidade natal. É a nossa própria história. Não se trata de uma mera motivação ou vaidade pessoal. Reconstruir o nosso passado, trazer à tona injustiças históricas, desmascarar grandes nomes, tidos, até então, como herois da resistência face ao nazismo... Já te disse, mais de uma vez... É um compromisso que tenho com o povo daqui, com a minha gente, com aqueles que amo. É um legado que deixo para a nossa cidade, para nossas filhas, para nossos netos.
Não posso me calar, não agora. Fiquei até honrada quando soube que a cidade iria me homenagear com um busto, no prédio da prefeitura. Não é todo dia que se recebe uma homenagem assim. Senti a mesma alegria de quando fui condecorada com aquela medalha pelo Sr. Prefeito, quando venci aquele concurso de redação e viajei, pela primeira e única vez em minha vida, a Paris. Alegria de menina. Por um lado, pensei que aquele busto pudesse permanecer, ali na prefeitura, como um símbolo da minha perseverança no trabalho de investigação que empreendi nos arquivos municipais e nos arquivos do Pfilzinger Morgen - ou, pelo menos, no pouco a que tive acesso. Por outro lado, sei que não sou mais aquela menina de anos atrás.
Você se lembra de como eu me dedicava aos estudos? E pensar que foi ali, no Colégio de Moças, que nos conhecemos... Você se lembra? Nunca me esqueço do nosso primeiro beijo, à sombra da Árvore dos Desejos, onde fazia minhas orações. Você terminou seu mestrado, voltou para Pfilzing, nós nos casamos, tivemos duas filhas... Também passamos por tempos difíceis, é verdade, como quando me envolvi com aquele processo judicial contra a prefeitura, ou quando acabei me dedicando tanto à minha pesquisa que você teve de assumir algumas tarefas domésticas, cuidar das meninas... Passamos por tudo isso juntos, construímos toda uma vida aqui, essa é a nossa história. Você não pode simplesmente jogar tudo pro alto e partir pra Munique assim.
Nós crescemos, Martin, amadurecemos. Não podemos nos omitir, por medo de novas retaliações. Se antes eu servia de exemplo a meus irmãos, como boa menina e boa aluna, agora eu quero servir de exemplo a minhas filhas, aos cidadãos de Pfilzing. Exemplo de mulher, de integridade, de coragem, de ética. Exemplo de alguém que não se cala diante de ameaças ou em troca de homenagens. Nosso país caminha rumo à reunificação. Já vivemos tantas transformações e outras tantas parecem estar por vir. Eu poderia ir com as meninas para Munique, ficaríamos todos juntos de novo. Mas eu teria de abandonar minha família, meus ideais. Renunciar a uma parte da minha história. Por um ponto final à revisão da história de Pfilzing - revisão que eu apenas iniciei.
Não há pontos finais em História, Martin. Nem é possível apagar totalmente - para sempre - aquilo que um dia se viveu. Sim, tentaram, aqui em Pfilzing, silenciar, não só a mim, mas também a muitos outros. Tentaram apagar a memória desses que se viram obrigados a marchar para a morte, para aquele campo de concentração de que minha avó me falou. Tentaram lançar ao esquecimento a prisão daquele judeu anônimo, preso graças à influência do Sr. Juckenack e à omissão do padre Brummel. Tentaram fazer de Pfilzing um mito. Um mito do qual muito me orgulhei nos tempos de menina. Uma pequena cidade alemã, social-democrata, eternamente avessa aos horrores praticados pelos nazistas do Terceiro Reich. Sabemos que não foi assim, querido. E só exorcizamos parte desse passado.
Sentimos na pele, repetidas vezes, a covardia de jovens ainda fascinados pelos engodos da ideologia nazista. Lembro-me de quando você, heroicamente, nos protegeu de um desses ataques. Quando essa loucura vai ter fim? Estamos falando de uma nova Alemanha, mas, onde está a novidade? O tempo histórico corre lentamente, há mais permanências do que transformações. As ações desses jovens e a impunidade, que ainda paira sobre os crimes de um passado velado de Pfilzing, são prova disso. Só vejo duas opções: ou escolho colaborar com a manutenção de uma lógica de poder, encabeçada, há anos, por Estado, Igreja e parte da imprensa; ou escolho, no mínimo, legar fontes históricas mais próximas da realidade que aqui se viveu entre 1933 e 1945 à Pfilzing do futuro. Fazer parte deste processo é meu sonho, Martin, meu ideal.
Ideal que ainda pode estar bem distante da verdade, isto é, daquilo que realmente se passou naquela época. Mas prefiro pecar por excesso a pecar por omissão. Quanto mais fontes e documentos históricos eu consultar, mais próxima ficarei dessa verdade, mais próxima estarei do meu sonho. Um dia fui à Árvore dos Desejos e lá sonhei em ter você ao meu lado. Naquela época, minhas orações foram atendidas. Desde que me neguei a colaborar com os supostos herois da cidade, tenho sentido muito medo, Martin. Temo pela vida das meninas. Sem você por perto, é ainda pior. Minha fé de menina parece ter dado lugar a uma injeção de dúvidas e incertezas. A sombra da Árvore dos Desejos parece não mais ser um refúgio seguro. Desta vez, não tenho tanta certeza de que minhas preces serão atendidas.
Os tempos são outros, meu amor. Minha irmã decidiu ir estudar Moda na França e meu irmão vai se casar com uma linda jovem jamaicana. Meu tio, minha avó e meus pais estão cada vez mais dependentes dos meus cuidados. Preciso de você, mais uma vez, ao meu lado, ao lado das crianças. E você... Você precisa do meu perdão. Compreendo os motivos que te levaram a partir. Peço, entretanto, que você volte, pois juntos poderemos dar novos rumos à nossa história.
Saudades,
Sonja
Escrevo para dizer que nossas filhas estão bem, apesar dos acontecimentos dos últimos dias. Já tive a chance de conversar com meus pais, minha avó e meu tio sobre tudo o que aconteceu. Apesar de todos continuarem preocupados com a segurança de nossa família, eles compreendem os motivos que me levam a seguir com as minhas pesquisas sobre o passado de Pfilzing. Não é uma história qualquer, meu amor. É a história de nossa cidade natal. É a nossa própria história. Não se trata de uma mera motivação ou vaidade pessoal. Reconstruir o nosso passado, trazer à tona injustiças históricas, desmascarar grandes nomes, tidos, até então, como herois da resistência face ao nazismo... Já te disse, mais de uma vez... É um compromisso que tenho com o povo daqui, com a minha gente, com aqueles que amo. É um legado que deixo para a nossa cidade, para nossas filhas, para nossos netos.
Não posso me calar, não agora. Fiquei até honrada quando soube que a cidade iria me homenagear com um busto, no prédio da prefeitura. Não é todo dia que se recebe uma homenagem assim. Senti a mesma alegria de quando fui condecorada com aquela medalha pelo Sr. Prefeito, quando venci aquele concurso de redação e viajei, pela primeira e única vez em minha vida, a Paris. Alegria de menina. Por um lado, pensei que aquele busto pudesse permanecer, ali na prefeitura, como um símbolo da minha perseverança no trabalho de investigação que empreendi nos arquivos municipais e nos arquivos do Pfilzinger Morgen - ou, pelo menos, no pouco a que tive acesso. Por outro lado, sei que não sou mais aquela menina de anos atrás.
Você se lembra de como eu me dedicava aos estudos? E pensar que foi ali, no Colégio de Moças, que nos conhecemos... Você se lembra? Nunca me esqueço do nosso primeiro beijo, à sombra da Árvore dos Desejos, onde fazia minhas orações. Você terminou seu mestrado, voltou para Pfilzing, nós nos casamos, tivemos duas filhas... Também passamos por tempos difíceis, é verdade, como quando me envolvi com aquele processo judicial contra a prefeitura, ou quando acabei me dedicando tanto à minha pesquisa que você teve de assumir algumas tarefas domésticas, cuidar das meninas... Passamos por tudo isso juntos, construímos toda uma vida aqui, essa é a nossa história. Você não pode simplesmente jogar tudo pro alto e partir pra Munique assim.
Nós crescemos, Martin, amadurecemos. Não podemos nos omitir, por medo de novas retaliações. Se antes eu servia de exemplo a meus irmãos, como boa menina e boa aluna, agora eu quero servir de exemplo a minhas filhas, aos cidadãos de Pfilzing. Exemplo de mulher, de integridade, de coragem, de ética. Exemplo de alguém que não se cala diante de ameaças ou em troca de homenagens. Nosso país caminha rumo à reunificação. Já vivemos tantas transformações e outras tantas parecem estar por vir. Eu poderia ir com as meninas para Munique, ficaríamos todos juntos de novo. Mas eu teria de abandonar minha família, meus ideais. Renunciar a uma parte da minha história. Por um ponto final à revisão da história de Pfilzing - revisão que eu apenas iniciei.
Não há pontos finais em História, Martin. Nem é possível apagar totalmente - para sempre - aquilo que um dia se viveu. Sim, tentaram, aqui em Pfilzing, silenciar, não só a mim, mas também a muitos outros. Tentaram apagar a memória desses que se viram obrigados a marchar para a morte, para aquele campo de concentração de que minha avó me falou. Tentaram lançar ao esquecimento a prisão daquele judeu anônimo, preso graças à influência do Sr. Juckenack e à omissão do padre Brummel. Tentaram fazer de Pfilzing um mito. Um mito do qual muito me orgulhei nos tempos de menina. Uma pequena cidade alemã, social-democrata, eternamente avessa aos horrores praticados pelos nazistas do Terceiro Reich. Sabemos que não foi assim, querido. E só exorcizamos parte desse passado.
Sentimos na pele, repetidas vezes, a covardia de jovens ainda fascinados pelos engodos da ideologia nazista. Lembro-me de quando você, heroicamente, nos protegeu de um desses ataques. Quando essa loucura vai ter fim? Estamos falando de uma nova Alemanha, mas, onde está a novidade? O tempo histórico corre lentamente, há mais permanências do que transformações. As ações desses jovens e a impunidade, que ainda paira sobre os crimes de um passado velado de Pfilzing, são prova disso. Só vejo duas opções: ou escolho colaborar com a manutenção de uma lógica de poder, encabeçada, há anos, por Estado, Igreja e parte da imprensa; ou escolho, no mínimo, legar fontes históricas mais próximas da realidade que aqui se viveu entre 1933 e 1945 à Pfilzing do futuro. Fazer parte deste processo é meu sonho, Martin, meu ideal.
Ideal que ainda pode estar bem distante da verdade, isto é, daquilo que realmente se passou naquela época. Mas prefiro pecar por excesso a pecar por omissão. Quanto mais fontes e documentos históricos eu consultar, mais próxima ficarei dessa verdade, mais próxima estarei do meu sonho. Um dia fui à Árvore dos Desejos e lá sonhei em ter você ao meu lado. Naquela época, minhas orações foram atendidas. Desde que me neguei a colaborar com os supostos herois da cidade, tenho sentido muito medo, Martin. Temo pela vida das meninas. Sem você por perto, é ainda pior. Minha fé de menina parece ter dado lugar a uma injeção de dúvidas e incertezas. A sombra da Árvore dos Desejos parece não mais ser um refúgio seguro. Desta vez, não tenho tanta certeza de que minhas preces serão atendidas.
Os tempos são outros, meu amor. Minha irmã decidiu ir estudar Moda na França e meu irmão vai se casar com uma linda jovem jamaicana. Meu tio, minha avó e meus pais estão cada vez mais dependentes dos meus cuidados. Preciso de você, mais uma vez, ao meu lado, ao lado das crianças. E você... Você precisa do meu perdão. Compreendo os motivos que te levaram a partir. Peço, entretanto, que você volte, pois juntos poderemos dar novos rumos à nossa história.
Saudades,
Sonja
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
Ética Jornalística - Aula 2
Adelmo parte do pressuposto que, até então, não havia uma concepção teórica satisfatória a respeito do Jornalismo. Em seguida, ele confronta o conhecimento empírico (ou pragmático, do dia-a-dia, do senso comum) e o conhecimento teórico, admitindo a importância do primeiro, mas reconhecendo que apenas o segundo é capaz de realizar uma generalização ou universalização do fenômeno observado. "Na prática é que a teoria comprova a sua efetividade. [...] Só a teoria fornece um tipo de conhecimento profundo capaz de direcionar a prática. [...] A única maneira de captar a essência das coisas é através de uma apreensão teórica."
Para chegar à essência (concepção teórica) do Jornalismo, isto é, àquilo que é "concreto" no fenômeno denominado "Jornalismo", Adelmo propõe diferentes formas de abordagem.
Um primeiro ponto de vista aborda o Jornalismo enquanto generalidade abstrata, enquanto "forma de comunicação". Para Adelmo, essa definição capta apenas a generalidade do fenômeno e não aquilo que lhe é específico. "É geral, mas é abstrato, não capta o concreto, só tem a generalidade, não contém a especificidade."
Um segundo ponto de vista aborda o Jornalismo do ponto de vista positivista e funcionalista. O Jornalismo seria uma forma de comunicação que serve para integrar e adaptar o homem ao seu papel social. Adelmo questiona: "Será que o Jornalismo é, exclusivamente, uma forma de integração do indivíduo no papel que a sociedade lhe atribui? Ou o Jornalismo tem potencialidade para mais?" O autor afirma que, sim, citando, como exemplo, o caráter pedagógico/educativo do Jornalismo.
Um terceiro ponto de vista aborda o Jornalismo como uma forma de comunicação que serve para reforçar a hegemonia ideológica da burguesia e reproduzir a dominação de classe. Assim, o Jornalismo seria um instrumento de reforço da ordem vigente. Essa definição também parece inapropriada, já que reduziria o Jornalismo a apenas uma de suas funções em uma sociedade de classes. O Jornalismo não deixaria de existir em sua essência, mesmo estando abolidas todas as formas de exploração do homem pelo homem.
Adelmo faz então uma crítica à própria abordagem desenvolvida por ele até aqui. Ao invés de partir de um conceito pronto, acabado, para, só então, tirar conclusões a respeito do Jornalismo, ele propõe partir de um conceito provisório de Jornalismo, ampliando-o ao longo da reflexão e da discussão.
Ele reinicia dizendo que o Jornalismo é uma forma social de conhecimento. Mas há outras formas sociais de conhecimento, como a arte e a ciência. Adelmo recorre então à filosofia dialética de Hegel para diferenciar o Jornalismo de outras formas sociais de conhecimento.
Na dialética de Hegel, todas as coisas possuem três dimensões ou categorias: singular, particular e universal. Edson Spenthof é um ser humano. Esta é uma afirmação universal, a qual enquadra Edson no universo de todos os seres humanos. Por outro lado, Edson é goiano, professor universitário. Essas afirmações o posicionam em um grupo particular, dentro do universo de todos os seres humanos. Nem todos os seres humanos são goianos ou professores universitários. Em última instância, entretanto, Edson possui características físicas (DNA, impressões digitais) e traços de personalidade que o tornam único, singular.
Essas dimensões ou categorias (singular, particular e universal) não são fixas, mas relativas. Um novo raciocínio apontaria novas categorias para o exemplo envolvendo o professor Edson Spenthof. Trata-se de uma relação dialética. Além disso, em cada uma das dimensões estão presentes as demais. De alguma forma, no universal, também estão contidos os casos singulares e particulares. Se eu digo "Edson Spenthof", de alguma forma subjacente, nesse singular, está contido o gênero humano.
Para Adelmo Genro Filho, o Jornalismo é uma forma social de conhecimento cristalizada no singular. A ciência, em contrapartida, seria uma forma social de conhecimento baseada, por excelência, no universal. Já o Jornalismo surge a partir de uma necessidade social de conhecimento de uma realidade que não é mais a nossa realidade imediata ou direta, mas indireta. Essa necessidade decorre da emergência e rápido desenvolvimento do capitalismo, sistema que transformou o mundo em um todo interdependente. A singularidade que agora percebemos não pertence à escala local, mas à escala global. "O nosso mundo não é mais a aldeia, o nosso mundo é uma aldeia global, o nosso mundo é a totalidade do universo."
O jornalista cumpriria, assim, o papel de mediador entre a realidade (os fatos) e o público. Entretanto, essa mediação recebe uma inflexão ideológica do próprio jornalista ou da organização em que ele está inserido - representada, essencialmente, na figura do editor. "Toda forma de conhecimento pressupõe também um posicionamento do sujeito diante do objeto."
Aqui se recai no tradicional impasse entre jornalismo objetivo e jornalismo opinativo. Como vimos, para Adelmo, a total neutralidade do jornalista diante dos fatos é impossível. Entretanto, ele vê no jornalismo opinativo uma adjetivação excessiva, um número excessivo de afirmações e pressupostos éticos universais. "O problema é que, quando eu vou ler uma notícia, isso não interessa." Adelmo defende, portanto, um jornalismo objetivo, isto é, com as mesmas características e competências do jornalismo que se pratica hoje, mas com uma visão de classe distinta, não mais centrada no ponto de vista da classe dominante. Um jornalismo invariavelmente não-neutro, não-isento. Mas um jornalismo objetivo, cristalizado no singular.
Ao final de sua palestra, Adelmo defende a ideia de que a pirâmide invertida (modelo de construção da notícia em que as informações mais importantes viriam em primeiro lugar, deixando-se informações menos relevantes para os parágrafos subsequentes) está, de fato, invertida. Nessa crítica, Adelmo diz que o que há de mais relevante em uma notícia é, precisamente, aquilo que lhe torna singular - este seria o cume da pirâmide, informação a ser colocada no lead (primeiro parágrafo da notícia). Em seguida, a contextualização da notícia viria nos parágrafos seguintes, enquadrando a notícia dentro daquilo que a torna particular. A base da pirâmide, isto é, a formulação de teses universais sobre a notícia em questão, ficaria à cargo do leitor, durante o processo de apropriação da notícia.
Ao final da aula, chegamos à conclusão de que o Jornalismo ideal seria um "mosaico de parcialidades". Objetivo, mas parcial. Parcial, mas plural. Plural, mas singular. Essa pluralidade na abordagem do singular (ou das diversas singularidades presentes no singular, a depender da inflexão ideológica do observador dos fatos) aproximaria o Jornalismo de seu ideal de imparcialidade, reconhecendo as suas deficiências na busca da total neutralidade e escolhendo a via da objetividade como alternativa à parcialidade assumida e universalizante do Jornalismo opinativo, tal como o conhecemos hoje. Apenas a pluralidade (no sentido de busca por imparcialidade) conferiria veracidade à notícia, conquistando, de fato, a confiança do leitor, traduzindo-lhe uma realidade não-imediata.
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
História da Imprensa - Aula 2
Esta segunda aula foi dedicada, num primeiro momento, à apresentação das ideias principais do texto "A História hoje em dia", capítulo do livro "O que é História", de Vavy Pacheco Borges. Num segundo momento, assistimos ao filme "Uma cidade sem passado" (Alemanha, 1989).
A palavra "história" pode ter mais de um significado: o passado da humanidade, o estudo desse mesmo passado, uma narração qualquer, etc. O texto de Vavy Pacheco Borges abrange o segundo dos dois primeiros significados mencionados, lembrando que, em outras línguas, como no alemão, existem palavras diferentes para cada um deles (história-acontecimento vs. história-conhecimento).
Falar de História é falar da história do ser humano, das transformações pelas quais passaram os seres humanos. Todos somos parte da História, todos desempenhamos nela um papel, condicionados pela realidade material e social em que vivemos. Somos, ao mesmo tempo, sujeitos e agentes históricos.
A função da História, segundo a autora, é fornecer à sociedade uma explicação sobre ela mesma. Trata-se, portanto, de um trabalho interdisciplinar, envolvendo diferentes áreas de conhecimento, recorrendo tanto a disciplinas das chamadas Ciências Humanas (como a sociologia, as ciências políticas, a arqueologia, a toponímia, a linguística, a numismática), quanto a técnicas típicas das Ciências Naturais (como a datação via carbono 14).
Durante muito tempo, a explicação histórica foi pautada pela análise de momentos específicos, tais como momentos de crise e de ruptura. Entretanto, mais recentemente, os historiadores têm entendido tais momentos como: 1) o resultado de um processo lento de preparação voluntária ou mesmo involuntária; 2) momentos que não romperam totalmente com a estrutura política, econômica e social vigente até então. Assim, a preocupação central da História atualmente se volta não somente às transformações e mudanças típicas dessas ocasiões, mas também às permanências e às razões para que uma ruptura definitiva não ocorresse.
Nesse sentido, o tempo histórico não corresponde ao tempo cronológico. Fazer cronologia não é fazer História, ainda que uma linha do tempo possa vir a ser um pontapé inicial para o trabalho do historiador. As transformações históricas são lentas. Alguns exemplos citados pela autora: 1) os valores machistas; 2) a visão histórica eurocêntrica.
A História não é o desenrolar de um processo evolutivo linear. O desenrolar de cada sociedade é característico, único. Não se deve, portanto, associar a ideia de progresso à noção de processo histórico; nem se deve comparar o desenvolvimento técnico, moral, político e econômico de uma sociedade ao de outra. A humanidade não é um todo homogêneo, mas está condicionada por uma realidade concreta, no tempo e no espaço. O homem é um ser finito, temporal, histórico e que tem consciência sobre a sua historicidade.
A História não traz explicações para questões existenciais da humanidade. Seu objeto de estudo são os acontecimentos e o sentido dos mesmos. Ela não explica, portanto, a razão de ser do homem na Terra, mas como e os motivos por que se deram as transformações levadas a cabo pela humanidade. Além disso, fazer História é responder a indagações e problemas contemporâneos ao historiador. É por esse motivo que a História é constantemente revisitada e reescrita. A História é filha de seu tempo. O próprio fazer histórico é histórico.
Não se pode falar em uma História do futuro, mas o estudo da História pode ajudar a delinear ações futuras. O conhecimento do passado pode servir, portanto, tanto para manter tradições, quanto para promover mudanças na ordem política, econômica e social vigente.
Não é correto falar em "tempos históricos" como sendo aqueles posteriores ou concorrentes à invenção da escrita, ainda que a maior parte das fontes históricas seja escrita. Tempos anteriores à invenção da escrita, denominados genericamente como tempos "pré-históricos", também fazem parte da História humana.
As fontes históricas não são apenas os documentos oficiais ou textos que se referem ou que são de autoria de grandes nomes, de grandes personalidades, tais como reis, imperadores, generais, artistas, religiosos, etc. De acordo com Vavy Pacheco Borges, tudo o que se diz ou escreve, tudo quanto se produz e se fabrica pode ser um documento histórico.
Nesse contexto, cabe ressaltar que as fontes históricas não retratam fielmente a realidade, mas são apenas parte do objeto em estudo, por vezes refletindo pontos de vista particulares, subjetivos, do momento histórico em análise. É trabalho do historiador interpretar criticamente tais fontes, de modo a se aproximar, tanto quanto possível, da realidade passada. O próprio historiador deve estar consciente de que as suas convicções político-ideológicas podem influir no resultado final de seu trabalho.
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
Ética Jornalística - Aula 1
Na nossa primeira aula de Ética, o professor Edson Spenthof apresentou o plano de ensino da disciplina a partir de uma reflexão sobre o filme The Story of Stuff ("A Estória das Coisas").
Os tópicos colocados em debate foram os seguintes:
[1] O compromisso ético do estudante de jornalismo e do jornalista profissional com o seu intelecto: em última instância, a matéria-prima do jornalista é a sociedade. Quanto melhor a compreensão do jornalista acerca da sociedade em que vive, melhores serão os frutos do seu trabalho. "O primeiro compromisso ÉTICO do jornalista é com o seu próprio intelecto." (José Arbex Júnior) Uma boa compreensão da sociedade requer uma boa formação intelectual e essa deve ser a primeira preocupação ética do jornalista.
[2] A relação entre teoria e prática na busca do conhecimento: é comum ouvirmos a máxima "A teoria, na prática, é outra." Adelmo Genro Filho retruca: "A teoria só é outra, na prática, se for má teoria." Edson Spenthof acrescenta que, enquanto jornalistas, devemos "aprender fazendo e fazer pensando". Qualquer atividade requer arcabouço teórico mínimo para a sua realização. Essa é a ideia aqui. Na busca do conhecimento, isto é, na busca de uma boa formação intelectual com vistas a um aperfeiçoamento da prática do jornalismo, a relação entre teoria e prática é estreita e, por vezes, as duas se confundem, levando-nos à falsa ideia de que o jornalismo é uma disciplina essencialmente prática. Entretanto, sem uma boa teoria, não se pode fazer um bom jornalismo, sobretudo do ponto de vista ético.
[3] Ética da comunicação ou ética jornalística: no exercício de suas atividades diárias, um médico e um jornalista incorrem em desafios éticos distintos, por isso cada um segue a um Código de Ética específico de sua profissão. O jornalista que não houver pensado criticamente a respeito da problemática ética de sua atividade não estará preparado para exercê-la de forma ética, condizente com o compromisso que tem de levar informações fidedignas e relevantes à sociedade. Nesse contexto, para o professor Edson, não existe uma "ética da comunicação", mas apenas a "ética jornalística". Para ele, a "ética da comunicação" seria a própria ética humana, universal, a que todos estamos sujeitos. A distinção se faz uma vez que "comunicação" é um termo amplo, abrangendo inclusive nossas conversas informais diárias. Quando falamos em "ética jornalística", recaímos nas discussões inerentes à nossa disciplina.
Na segunda parte da aula, o professor Edson iniciou uma explanação sobre o jornalismo enquanto produção SOCIAL de conhecimento, com foco na informação jornalística reconhecida e protegida como coisa pública ou res pública: "Jornalismo: forma social de conhecimento cristalizada no singular." Para tanto, tivemos que voltar na História, à época do surgimento das primeiras Repúblicas, momento em que a burguesia emergente reivindica participação nas decisões políticas frente à monarquia absolutista. Nesse contexto, a divulgação de informações para a crescente massa urbana se demonstrou uma arma revolucionária relevante - sobretudo enquanto material ideológico-opinativo.
Segundo Habermas, a história do surgimento e evolução do jornalismo poderia ser dividida em três fases, da seguinte maneira:
Os tópicos colocados em debate foram os seguintes:
[1] O compromisso ético do estudante de jornalismo e do jornalista profissional com o seu intelecto: em última instância, a matéria-prima do jornalista é a sociedade. Quanto melhor a compreensão do jornalista acerca da sociedade em que vive, melhores serão os frutos do seu trabalho. "O primeiro compromisso ÉTICO do jornalista é com o seu próprio intelecto." (José Arbex Júnior) Uma boa compreensão da sociedade requer uma boa formação intelectual e essa deve ser a primeira preocupação ética do jornalista.
[2] A relação entre teoria e prática na busca do conhecimento: é comum ouvirmos a máxima "A teoria, na prática, é outra." Adelmo Genro Filho retruca: "A teoria só é outra, na prática, se for má teoria." Edson Spenthof acrescenta que, enquanto jornalistas, devemos "aprender fazendo e fazer pensando". Qualquer atividade requer arcabouço teórico mínimo para a sua realização. Essa é a ideia aqui. Na busca do conhecimento, isto é, na busca de uma boa formação intelectual com vistas a um aperfeiçoamento da prática do jornalismo, a relação entre teoria e prática é estreita e, por vezes, as duas se confundem, levando-nos à falsa ideia de que o jornalismo é uma disciplina essencialmente prática. Entretanto, sem uma boa teoria, não se pode fazer um bom jornalismo, sobretudo do ponto de vista ético.
[3] Ética da comunicação ou ética jornalística: no exercício de suas atividades diárias, um médico e um jornalista incorrem em desafios éticos distintos, por isso cada um segue a um Código de Ética específico de sua profissão. O jornalista que não houver pensado criticamente a respeito da problemática ética de sua atividade não estará preparado para exercê-la de forma ética, condizente com o compromisso que tem de levar informações fidedignas e relevantes à sociedade. Nesse contexto, para o professor Edson, não existe uma "ética da comunicação", mas apenas a "ética jornalística". Para ele, a "ética da comunicação" seria a própria ética humana, universal, a que todos estamos sujeitos. A distinção se faz uma vez que "comunicação" é um termo amplo, abrangendo inclusive nossas conversas informais diárias. Quando falamos em "ética jornalística", recaímos nas discussões inerentes à nossa disciplina.
Na segunda parte da aula, o professor Edson iniciou uma explanação sobre o jornalismo enquanto produção SOCIAL de conhecimento, com foco na informação jornalística reconhecida e protegida como coisa pública ou res pública: "Jornalismo: forma social de conhecimento cristalizada no singular." Para tanto, tivemos que voltar na História, à época do surgimento das primeiras Repúblicas, momento em que a burguesia emergente reivindica participação nas decisões políticas frente à monarquia absolutista. Nesse contexto, a divulgação de informações para a crescente massa urbana se demonstrou uma arma revolucionária relevante - sobretudo enquanto material ideológico-opinativo.
Segundo Habermas, a história do surgimento e evolução do jornalismo poderia ser dividida em três fases, da seguinte maneira:
- 1ª fase: publicação de folhas-volantes, num contexto de sociedade mercantil, refletindo as necessidades e oportunidades de negócio;
- 2ª fase: surgem os primeiros jornais, divulgando, essencialmente, opinião e literatura;
- 3ª fase: meados do século XIX, por volta de 1830, o jornalismo começa a tomar os rumos do jornalismo atual, divulgando notícias/informação a baixo custo para grandes massas - a chamada penny press.
Para o professor Edson, é por meio da INFORMAÇÃO que podemos exercer cidadania de forma plena. Por isso ele considera a informação como uma necessidade, mas, sobretudo, como um DIREITO do cidadão - uma coisa ou res pública (alusão à palavra "república", forma de governo retomada na Europa dos séculos XVIII-XIX e na América/África dos séculos XVIII-XX, respectivamente como reflexo de revoluções político-industriais burguesas e de movimentos de independência).
A URBANIZAÇÃO, intensificada pelas revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX, trouxe consigo novas formas de pensar o mundo, em particular o mundo urbano e as transformações da época, aumentando a demanda pela informação. Além disso, a INDUSTRIALIZAÇÃO trouxe o progresso técnico e a diferenciação do trabalho necessários à produção e distribuição em larga escala da informação.
Esses elementos demonstram que o jornalismo foi e continua sendo um processo histórico de construção SOCIAL do conhecimento.
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
História da Imprensa - Aula 1
Apresentação do conteúdo programático da disciplina e leitura dos textos:
Como escrever uma História da Imprensa?
O fazer histórico. Fazer história não é simplesmente aprender com o passado para que não cometamos os mesmos erros de nossos antepassados. Fazer história é visitar e revisitar as fontes históricas, de modo a falar daquilo que, no presente, é relevante à reflexão e, a partir dela, à mudança. "É perceber a história como um processo complexo, no qual estão engendradas relações sociais, culturais, falas e não ditos, silêncios que dizem mais do que qualquer forma de expressão. [...] Compete ao historiador perguntar pelos silêncios."
História da Imprensa. Portanto, "há que se considerar a noção de sistema enquanto o cerne das relações comunicacionais. [...] Falar em história da imprensa é falar de processos comunicacionais e das intricadas relações que se desenvolvem em torno desse sistema de comunicação" ao longo do circuito da comunicação, isto é, "o percurso que se faz e que vai dos produtores do texto às formas de apropriação diferenciadas das mensagens pelo público." Note que Marialva usa o termo "apropriação" (e não, possivelmente, "absorção" ou "recepção") para indicar que esse não é um processo passivo.
História da imprensa como história cultural. Marialva insere a história da imprensa dentro do campo da história cultural. Na definição de Roger Chartier, "o modo como, em diferentes lugares e momentos, uma dada realidade é construída, pensada e dada a ler." Note que a expressão "dada a ler" alude à interpretação da mensagem ou realidade em questão. Nesse contexto, a história aproxima-se da ficção, não no sentido de que o fato não tenha, de fato, ocorrido, mas considerando que o fato é passível de interpretação no processo de apropriação do mesmo pelo historiador. "Fazer história é recriar o passado, [...] reinterpretando esse passado."
Fazer história da imprensa é, portanto, estudar um conjunto específico de textos ou textualidades, estudando-os de forma sistêmica, da produção à apropriação pelo leitor, considerando-os como objetos culturais, dependentes das relações entre os elementos desse complexo sistema denominado sistema de comunicação.
Interdisciplinariedade. Enquanto elemento cultural, a história (e, em particular, a história da imprensa), aproxima-se de outras áreas do conhecimento. Alguns exemplos:
- Por que estudar História da Imprensa? (Rosana Borges)
- Como escrever uma História da Imprensa? (Marialva Barbosa)
Por que estudar História da Imprensa?
Diferença entre imprensa, jornalismo, mídia, meios de comunicação, veículos de comunicação e veículos jornalísticos. A voz é o principal meio de comunicação que utilizamos no nosso cotidiano. Uma mídia pode ser eletrônica, impressa, rádio, TV, etc. A Rádio Universitária é um exemplo de veículo de comunicação. O Jornal Nacional e a CBN são exemplos de veículos de jornalismo.
Diferença entre cronologia e história. A cronologia apenas elenca e organiza os fatos, parte inicial do trabalho do historiador. O tempo histórico é diferente do tempo cronológico. Como veremos, é preciso entender a história como um processo, em última instância, de interpretação.
Mitos e silêncios. A história, seja ela a história oficial ou a história oral, cristaliza mitos, reinventando-os ao longo do tempo. Nesse sentido, a própria história, isto é, o fazer história, é um elemento histórico, relativo ao tempo, ao espaço e aos agentes humanos que a produziram. Por outro lado, o silêncio com relação a fatos históricos perpetua injustiças - daí a importância de, no processo de sistematização da história, revisitarmos constantemente o passado, colocá-lo à prova, questionar as fontes históricas a que se teve acesso até então.
Fontes históricas. Não são espelhos fieis da realidade, mas recortes particulares da mesma, estes últimos tendo sido produzidos por sujeitos históricos - daí concluirmos a impossibilidade de se haver neutralidade e isenção completa no registro e transmissão das fontes históricas. Espelham a percepção de uma época, circunscrita a um espaço geográfico, a respeito do cotidiano, das ideologias e mentalidades de outrora, sendo, potencialmente, elementos de reconstrução dialética do passado, sobretudo se consideradas em sua pluralidade.
Pontos de interseção entre os trabalhos do jornalista e do historiador. Ambos registram (ou mesmo produzem) realidades, buscando a sua compreensão. Levantam fatos históricos, promovem relações entre os mesmos, sistematizam essas relações e produzem interpretações periódicas das mesmas.
A questão da verdade. Mais um ponto de interseção entre os trabalhos do jornalista e do historiador: a questão da veracidade dos fatos a serem registrados. A verdade enquanto juízo verdadeiro ou proposição verdadeira, isto é, a verdade absoluta ou objetiva, não está ao alcance de sujeitos históricos, não-neutros. Nesse sentido, a verdade tem cunho filosófico. Por outro lado, a verdade enquanto possibilidade interpretativa, enquanto processo de construção, esta, sim, está ao alcance de jornalistas e historiadores. Nesse sentido, a verdade se assemelha ao conhecimento, apresentando um caráter cumulativo e mutável ao longo do tempo.
Verdade
(Carlos Drummond de Andrade)
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar.
Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
(Carlos Drummond de Andrade)
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar.
Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Como escrever uma História da Imprensa?
História linear. Conceito de História. A história não é uma mera sucessão de fatos e datas que marcaram uma determinada mudança. Essa concepção de história linear é, em muito, tributada à ideia de progresso do pensamento positivista. A história deve ser encarada como um processo, onde estão presentes grandes nomes e datas, mas também particularismos, repetições, vestígios e, sobretudo, anônimos. Construções históricas que associam a mudança a grandes nomes são, em sua maioria, tributárias de estratégias de poder.
História da Imprensa? Marialva Barbosa aponta três tipos de reflexões que têm proliferado sob a designação de "história da imprensa", mas que não necessariamente ultrapassam a superficialidade do fazer história sob a ótica linear-positivista:
História da Imprensa? Marialva Barbosa aponta três tipos de reflexões que têm proliferado sob a designação de "história da imprensa", mas que não necessariamente ultrapassam a superficialidade do fazer história sob a ótica linear-positivista:
- reflexões que se limitam a reportar o aparecimento e o desaparecimento de periódicos, quando muito correlacionando esses fatos com o momento social e político vivido;
- pesquisas que procuram interpretar fenômenos jornalísticos datados à luz de análises estruturais, semiológicas, construtivistas;
- pesquisas que procuram ver os textos jornalísticos como portadores de uma mensagem ou de uma ideologia, sem considerar as influências culturais e as condições de produção dos mesmos.
O fazer histórico. Fazer história não é simplesmente aprender com o passado para que não cometamos os mesmos erros de nossos antepassados. Fazer história é visitar e revisitar as fontes históricas, de modo a falar daquilo que, no presente, é relevante à reflexão e, a partir dela, à mudança. "É perceber a história como um processo complexo, no qual estão engendradas relações sociais, culturais, falas e não ditos, silêncios que dizem mais do que qualquer forma de expressão. [...] Compete ao historiador perguntar pelos silêncios."
História da Imprensa. Portanto, "há que se considerar a noção de sistema enquanto o cerne das relações comunicacionais. [...] Falar em história da imprensa é falar de processos comunicacionais e das intricadas relações que se desenvolvem em torno desse sistema de comunicação" ao longo do circuito da comunicação, isto é, "o percurso que se faz e que vai dos produtores do texto às formas de apropriação diferenciadas das mensagens pelo público." Note que Marialva usa o termo "apropriação" (e não, possivelmente, "absorção" ou "recepção") para indicar que esse não é um processo passivo.
História da imprensa como história cultural. Marialva insere a história da imprensa dentro do campo da história cultural. Na definição de Roger Chartier, "o modo como, em diferentes lugares e momentos, uma dada realidade é construída, pensada e dada a ler." Note que a expressão "dada a ler" alude à interpretação da mensagem ou realidade em questão. Nesse contexto, a história aproxima-se da ficção, não no sentido de que o fato não tenha, de fato, ocorrido, mas considerando que o fato é passível de interpretação no processo de apropriação do mesmo pelo historiador. "Fazer história é recriar o passado, [...] reinterpretando esse passado."
Fazer história da imprensa é, portanto, estudar um conjunto específico de textos ou textualidades, estudando-os de forma sistêmica, da produção à apropriação pelo leitor, considerando-os como objetos culturais, dependentes das relações entre os elementos desse complexo sistema denominado sistema de comunicação.
Interdisciplinariedade. Enquanto elemento cultural, a história (e, em particular, a história da imprensa), aproxima-se de outras áreas do conhecimento. Alguns exemplos:
- economia
- sociologia
- antropologia
- literatura
Cultura do escrito. A impressão afetou a vida popular a partir do século XVI e enriqueceu o repertório visual do campo, "mas não modificou a confiança das comunidades ruais na tradição oral. [...] Diversos enventos de natureza cultural (como festivais, tumultos ou charivaris) têm uma função e um significado específicos para os participantes e para a comunidade." Entretanto, é preciso levar em conta o fato de a comunidade não ser totalmente coesa, nem passiva, historicamente, diante das transformações das relações de poder. Portanto, enquanto patrimônio cultural, o escrito acompanha essas transformações, bem como as idiossincrasias dos diferentes retalhos constituintes do tecido social.
Metodologia proposta por Robert Darnton para a construção de uma história social e cultural da comunicação:
Em resumo, Marialva Barbosa propõe a construção de uma história da imprensa que: [1] leve em conta as particularidades do próprio fazer histórico; [2] considere as especificidades do processo de consulta às fontes históricas, enquanto textos e textualidades; [3] a imersão do pesquisador em seu objeto de estudo, isto é, a impossibilidade de se fazer história com total isenção ou neutralidade.
"A história, portanto, não fala do passado, mas do presente, tal como a operação de memória. O que ela possibilita, apenas, é uma dada reconstrução desse passado, reconstrução essa feita através de um diálogo que nos ajuda, sobretudo, a entender melhor o presente. [...] A história exorciza a morte."
Uma última ideia do texto, trabalhada em sala, é o fato de que não podemos julgar apressadamente algumas das ações dos homens do passado, baseando-nos nos códigos de moral e ética do presente. E isso, justamente pelo fato de que, a exemplo da história, esses códigos de moral e ética são, em boa medida, construções culturais.
Metodologia proposta por Robert Darnton para a construção de uma história social e cultural da comunicação:
- 1ª etapa: quem escrevia os jornais? como procuravam se popularizar? como funcionavam essas empresas? de que forma os textos chegavam ao público?
- 2ª etapa: como os leitores entendiam os sinais na página impressa? quais eram os efeitos sociais dessa experiência? - "Uma nova tecnologia pressupõe, sempre, uma recepção pela sociedade, uma espera, muitas vezes, anterior mesmo à emergência da própria tecnologia."
Em resumo, Marialva Barbosa propõe a construção de uma história da imprensa que: [1] leve em conta as particularidades do próprio fazer histórico; [2] considere as especificidades do processo de consulta às fontes históricas, enquanto textos e textualidades; [3] a imersão do pesquisador em seu objeto de estudo, isto é, a impossibilidade de se fazer história com total isenção ou neutralidade.
"A história, portanto, não fala do passado, mas do presente, tal como a operação de memória. O que ela possibilita, apenas, é uma dada reconstrução desse passado, reconstrução essa feita através de um diálogo que nos ajuda, sobretudo, a entender melhor o presente. [...] A história exorciza a morte."
Uma última ideia do texto, trabalhada em sala, é o fato de que não podemos julgar apressadamente algumas das ações dos homens do passado, baseando-nos nos códigos de moral e ética do presente. E isso, justamente pelo fato de que, a exemplo da história, esses códigos de moral e ética são, em boa medida, construções culturais.
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