quinta-feira, 25 de julho de 2013

Grafite e Linguagem

O grafite, atualmente, é visto enquanto linguagem - elemento comunicacional que permite a expressão dos elementos culturais que envolvem a maneira com que o artista se relaciona com a sociedade. Bakhtin (1986), no livro Filosofia da Linguagem e Marxismo, contribui com o entendimento da linguagem ao afirmar que não falamos palavras, e sim verdades, mentiras, coisas boas ou más, etc. Entende-se, assim, que a linguagem é carregada de ideologias pertencentes ao grupo social em que o enunciador se insere ou pensa se inserir.

Historicamente, os grupos sociais buscaram maneiras para se comunicar através de um meio que assim o permitisse. Conquanto, sabe-se que este processo de busca não aconteceu de forma harmoniosa. Diversos grupos socais tiveram suas linguagens silenciadas e marginalizadas para favorecer projetos de organização política, econômica, cultural etc. O grafite é um dos movimentos que buscam romper com esta padronização do fazer artístico. Tem origem nos Estados Unidos, por volta da década de 1970, com os jovens do Bronx. Sua especificidade é a utilização das ruas e espaços inicialmente não pensados para este fim para sua manifestação.

Como todo grupo artístico, o grafite apresenta-se com uma grande variedade de estilos e temáticas. Entretanto, pode-se perceber que, em sua maioria, os trabalhos ainda se resguardam no comprometimento político-poético de sua origem.

Abaixo segue uma seleção de fotos dos trabalhos de Decy – goiano que começou a grafitar para acompanhar seu filho de treze anos nas ruas, para resguardá-lo dos possíveis perigos de se exercer esta arte ainda não totalmente aceita pela sociedade – relacionadas com poesias de Charles Baudelaire. O intuito da associação não é promover uma limitação de interpretação, mas o diálogo entre duas formas de linguagem.

Arte: Decy Foto: Decy

“Para além do ondular dos telhados, avisto uma mulher madura, já com rugas, pobre, sempre debruçada sobre alguma coisa, e que nunca sai. Com seu rosto, sua roupa, seu gesto, com quase nada refiz a história desta mulher, ou melhor, sua lenda, e por vezes a conto a mim mesmo chorando [...] Talvez me digam: “Tem certeza que esta lenda é verdadeira?” Que importa o que seja a realidade situada fora de mim, se me ajudou a viver, a sentir que sou, e o que sou?” CHARLES BAUDELAIRE p.183

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

“Eu canto os cães calamitosos,quer os que vagam, solitários, nos córregos sinuosos das cidades imensas, quer os que disseram ao homem abandonado, piscando os olhos maliciosos:   “Leve-me com você, e com nossas duas misérias talvez possamos criar alguma espécie de felicidade.” CHARLES BAUDELAIRE p. 237

Arte: Decy Foto: Ailton Sousa

“Ando louco para pintar aquela que tão raro apareceu e tão depressa fugiu, como algo belo e saudoso atrás do viajante transportado noite adentro. Há tanto tempo já, que ela desapareceu! Ela é bela, e mais que bela: é surpreendente. O negro nela excede, e tudo que ela inspira é noturno e profundo.” CHARLES BAUDELAIRE p. 185

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do Método Sociológico na Ciência da Linguagem. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 1986.
BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa. São Paulo: Hedra, 2011

Texto: Érica Reis

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