sexta-feira, 26 de julho de 2013

Decy Graffiti

Arte: Decy Foto: Ailton Sousa

Todos os dias, a caminho da UFG, deparava-me com o graffiti acima. Esse sorriso alegrava minhas manhãs, por mais carrancudo que eu tivesse acordado. Esses olhos fechados pareciam sonhar com um mundo menos frio, menos violento, menos desigual - mais feliz. Uma cena tão impactante, gravada em uma parede em ruínas, numa calçada de terra batida, num cruzamento anônimo de Goiânia.

Procurei pelo autor do graffiti nas redondezas, mas sem sucesso. Numa busca por "Decy" no Facebook, entretanto, tive a grata surpresa de encontrar muitas outras obras desse profícuo artista goiano. Sozinho ou em parceria com André Morbeck, Decy tem contribuído para a revitalização de várias áreas ou elementos urbanos esquecidos ou que passam desapercebidos da maioria da população goianiense. Quando você menos espera, num passeio pela cidade, uma de suas obras certamente irá lhe saltar aos olhos.

Arte: Decy Foto: www.facebook.com/decy.graffiti

Sempre impactantes, trazendo o realismo das grandes cidades, o negro, o índio, o imaginário, o fantástico, as obras de Decy dão vida às ruínas, becos, praças e quadros telefônicos da cidade. Quando o contactamos pelo Facebook, Decy pediu que entrássemos em contato com ele por telefone. Combinamos um encontro no "bacião" - assim foi apelidada uma das misteriosas (e esquecidas) praças do Setor Sul. Uma quadra esportiva e uma extensa área verde abandonadas.

No caminho até o "bacião", a ação de pichadores é marcante. Raros são os muros que não estão pichados. Vandalismo ou descaso das autoridades? Busca por identidade? Falta de oportunidades? São perguntas difíceis de responder. Entretanto, o contraste entre as pichações do caminho e as obras de arte do "bacião" é avassalador. Decy e Morbeck fizeram do "bacião" uma galeria de arte a céu aberto. Boa parte das fotos que lá tiramos estão expostas nos posts que se seguem.

Arte: Decy Foto: Ailton Sousa
Enquanto esperávamos por Decy, contemplávamos algumas de suas obras em parceria com Morbeck. Uma coruja que pairava pela quadra de esportes era nossa única companheira. Mais tarde, um cachorro sem dono veio fazer-nos companhia. Encontramos um ou outro morador da região, sempre apressados, sempre de passagem. Trabalhadores de uma construção próxima também por ali passaram, mas sem muitas delongas. Talvez as obras de Decy e Morbeck já sejam parte de seu cotidiano, tanto que passam aparentemente despercebidas. Talvez.

Ao encontramos com Decy, ele comentou que tinha um trabalho a fazer, não tão distante dali. Ele trabalha com letreiros e outros serviços particulares - este é seu ganha-pão. Adentrou o mundo do graffiti para não deixar só o filho, que então completava 13 anos. Auto-didata, "eterno aprendiz", Decy mostra com orgulho suas gravuras. Ele disse que cerca de 20% dos muros do "bacião" já estão pintados. Os demais 80% serão transformados com o tempo. Um trabalho voluntário, ou melhor, um hobby, às vezes patrocinado por alguns moradores. Na nossa opinião, um belo trabalho, não só artístico, mas de revitalização de uma praça esquecida pelas autoridades.

Arte: Decy Foto: www.facebook.com/decy.graffiti
Os textos a seguir foram inspirados em obras que vimos no "bacião" ou na página do Decy no Facebook. Elas fazem uma relação entre a obra de Decy/Morbeck e a matéria que estudamos na disciplina de Cultura Brasileira I. Convidamos todos à reflexão, seja pela leitura dos textos, seja apreciando as imagens. Para mais detalhes sobre a arte do Decy ou sobre como chegar até o "bacião", entre em contato com algum dos integrantes do nosso grupo. Esperamos que gostem do trabalho que desenvolvemos. Ótimas férias a todos!

Arte: Decy Foto: www.facebook.com/decy.graffiti

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Descoberta

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa
A nau. A selva.
O princípio de tudo.
O desejo mesquinho.
O escravo africano,
Índio americano,
Espanhol, português:
Uma história sangrenta,
Não se diz, não se fez.
São as águas do mar,
Cancelando o verão.
Faz apelo à justiça
Este meu coração.

A paz. A guerra.
Já acabou-se tudo.
E o desejo mesquinho
Continua a seguir.
Falsidade é a nossa
Perfeita tradição.
Que promessa de vida
Pode ter a canção?
São as águas do mar,
Enterrando a paixão,
Extinguindo a beleza,
Essa grande ilusão.

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

Texto: Ailton Sousa

Grafite e Linguagem

O grafite, atualmente, é visto enquanto linguagem - elemento comunicacional que permite a expressão dos elementos culturais que envolvem a maneira com que o artista se relaciona com a sociedade. Bakhtin (1986), no livro Filosofia da Linguagem e Marxismo, contribui com o entendimento da linguagem ao afirmar que não falamos palavras, e sim verdades, mentiras, coisas boas ou más, etc. Entende-se, assim, que a linguagem é carregada de ideologias pertencentes ao grupo social em que o enunciador se insere ou pensa se inserir.

Historicamente, os grupos sociais buscaram maneiras para se comunicar através de um meio que assim o permitisse. Conquanto, sabe-se que este processo de busca não aconteceu de forma harmoniosa. Diversos grupos socais tiveram suas linguagens silenciadas e marginalizadas para favorecer projetos de organização política, econômica, cultural etc. O grafite é um dos movimentos que buscam romper com esta padronização do fazer artístico. Tem origem nos Estados Unidos, por volta da década de 1970, com os jovens do Bronx. Sua especificidade é a utilização das ruas e espaços inicialmente não pensados para este fim para sua manifestação.

Como todo grupo artístico, o grafite apresenta-se com uma grande variedade de estilos e temáticas. Entretanto, pode-se perceber que, em sua maioria, os trabalhos ainda se resguardam no comprometimento político-poético de sua origem.

Abaixo segue uma seleção de fotos dos trabalhos de Decy – goiano que começou a grafitar para acompanhar seu filho de treze anos nas ruas, para resguardá-lo dos possíveis perigos de se exercer esta arte ainda não totalmente aceita pela sociedade – relacionadas com poesias de Charles Baudelaire. O intuito da associação não é promover uma limitação de interpretação, mas o diálogo entre duas formas de linguagem.

Arte: Decy Foto: Decy

“Para além do ondular dos telhados, avisto uma mulher madura, já com rugas, pobre, sempre debruçada sobre alguma coisa, e que nunca sai. Com seu rosto, sua roupa, seu gesto, com quase nada refiz a história desta mulher, ou melhor, sua lenda, e por vezes a conto a mim mesmo chorando [...] Talvez me digam: “Tem certeza que esta lenda é verdadeira?” Que importa o que seja a realidade situada fora de mim, se me ajudou a viver, a sentir que sou, e o que sou?” CHARLES BAUDELAIRE p.183

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

“Eu canto os cães calamitosos,quer os que vagam, solitários, nos córregos sinuosos das cidades imensas, quer os que disseram ao homem abandonado, piscando os olhos maliciosos:   “Leve-me com você, e com nossas duas misérias talvez possamos criar alguma espécie de felicidade.” CHARLES BAUDELAIRE p. 237

Arte: Decy Foto: Ailton Sousa

“Ando louco para pintar aquela que tão raro apareceu e tão depressa fugiu, como algo belo e saudoso atrás do viajante transportado noite adentro. Há tanto tempo já, que ela desapareceu! Ela é bela, e mais que bela: é surpreendente. O negro nela excede, e tudo que ela inspira é noturno e profundo.” CHARLES BAUDELAIRE p. 185

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do Método Sociológico na Ciência da Linguagem. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 1986.
BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa. São Paulo: Hedra, 2011

Texto: Érica Reis

Presente de Aniversário

Arte: Decy Foto: Jaiane Neves

Aniversário de quatro anos de Ana, uma negra linda de olhos grandes e curiosos e cabelos volumosos. Após uma pequena comemoração, com poucos parentes e amigos, Ana abre os presentes, vestido, saia, sapatos e uma caixa com um embrulho bonito.

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

Ao retirá-lo, Ana encontra uma boneca, uma boneca com características de bebê, mas uma boneca com características de mulher, branca, alta, magra, com cabelos longos, lisos e louros e olhos azuis: era a Barbie.

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

A boneca que carrega décadas de padrões de beleza e a frustração que esses padrões causaram e causam a milhões de mulheres no mundo. As mulheres da Espanha são morenas, as da China são baixinhas, as da Angola são negras, ou seja, em poucos países as mulheres tem o estereótipo de Barbie. Mesmo assim, Ana tem em sua frente modelo que terá que seguir. Não só por que a boneca é bonita, mas, também por que os jornais, as revistas e a televisão mostra, que este é o perfeito, o que deve ser seguido.

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

Ana teria maiores chances de se olhar no espelho e se achar bonita, gostar de seu cabelo “ruim” e da cor de seus olhos, se os padrões de beleza não fossem tão limitados. Isso tem que mudar.

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

Texto: Jaiane Neves

Grafite vs. Pichação

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

O graffiti ou grafite é uma forma de manifestação artística em espaços públicos. O grafite surgiu em Nova York no final da década de 1960, onde jovens de minorias excluídas da cidade expressavam sua arte. Já no Brasil surgiu no final da década de 1970, em São Paulo. Mas há vestígios desta arte desde o Império Romano.

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

O grafite está diretamente ligado a outros movimentos, como o hip hop, que procura expressar a realidade das ruas. Há um conflito entre o grafite e a pichação: o grafite é desempenhado artisticamente, já a pichação não passa de poluição visual e vandalismo.

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

Os grafiteiros deixam a sua marca em banheiros públicos, casas abandonadas, edifícios, metrôs, monumentos públicos, ônibus, etc. Para evitar problemas, foram criados projetos visando profissionalizar essa arte e dar aos grafiteiros a oportunidade de exibirem seu trabalho. O grafite brasileiro é considerado um dos melhores do mundo.

Arte: Morbeck Foto: Ailton Sousa

Texto: Natália Esteves

Olhares

Arte: Decy Foto: www.facebook.com/decy.graffiti

Estou parada no ponto às 18 horas, esperando o ônibus passar. Quanta demora, vinte minutos ali esperando, as pernas já doem da correria do dia-a-dia, e em meus pensamentos, imagino ir sentada naquele ônibus, mas ao ver a quantidade de pessoas ali junto comigo, desisto da ideia, e apenas torço para conseguir entrar no primeiro ônibus que passar. E no meio de tanta gente, percebo um monte de olhares diferentes, uns mais tristes e cansados, outros mais animados na medida em que a realidade permite. E daí me surge o seguinte pensamento: Como será que esses olhares veem a realidade?

Arte: Decy Foto: Ailton Sousa

Uma pergunta cuja resposta me surgiu facilmente. Ao ver uma movimentação estranha no meio da rua. Um monte de gente ia se aglomerando ali. Curiosa e astuta que sou, resolvi averiguar os fatos. Uma oportunidade de investigação não passaria em branco para uma estudante de jornalismo. À medida que me aproximava daquela multidão um frio me surgia na barriga. E não era para menos.

Arte: Decy Foto: Ailton Sousa

Uma quantidade enorme de pessoas com celulares na mão filmando o que acontecia. Paparazzis, fotógrafos, repórteres e pessoas curiosas. Todos filmando e colocando na internet aquele fato incomum. Um fato capaz de parar tanta gente, de atrair tantos olhares, de fazer as pessoas pararem o seu mundo, o seu serviço para verificar. Seria isso, apenas curiosidade humana? Não sei, não soube responder. Ou não sabia até ver o que tanto olhares observavam atentamente.

Arte: Decy Foto: Ailton Sousa

Numa noite de inverno, fria que só. Era um corpo. Sim, um corpo, que deitado ali estava. Uma mulher nova, muitos anos ela ainda tinha para viver. Mas infelizmente, aquele era seu fim. Um atropelamento lhe tirou a vida. E lhe deu uma atenção que num dia qualquer ela nunca teria. Uma multidão de olhares para apenas verificarem seu triste fim.  Ninguém podia fazer nada. E só lhes restou observarem aquele trágico fim de uma vida.

Arte: Decy Foto: Ailton Sousa
Texto: Nathália Corrêa

"Quem sabe faz a hora, não espera acontecer"

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

Quinta-feira, dia 20 de Junho de 2013. Apanhei minha mochila surrada que me acompanha desde o Ensino Médio, água, vinagre, câmera, tinta, spray, o cartaz que havíamos feito na semana anterior, a bandeira do meu país. Pintei a cara e fui pra rua. O ônibus demorou cinquenta minutos pra chegar. “Malditos ônibus”. Subi as escadas, cumprimentei o motorista. “Pobre coitado”. Lá se foi meu último sitpass. “Essa realidade vai mudar”. Espremido entre um feirante e sua carga, “lá vou eu pra Praça Cívica”.

Olhava os rostos dos passageiros. Alguns dormiam, o sol castigava a tarde do goianiense. Pensei em ler o texto da aula seguinte de Cultura Brasileira, “Jogo de Espelhos”. Sem chance: impossível ler em pé, um olho na mochila (com minha câmera) e outro no texto, um pé de alface no sovaco esquerdo, uma criança chorando “Mãe, quero fazer xixi”, os solavancos do busão que ameaçavam lançar ao chão uma senhorinha que não tivera a sorte de achar um lugar pra se sentar. “Essa realidade tem que mudar”.

Avenida Goiás. “Estamos chegando”. Artéria pulsante, fluxo constante. O motorista recebe com uma buzinada o aceno de um colega que desce no sentido oposto. Sinal de luz, dois farois curtos. “O protesto está começando”. Passamos pela Praça do Trabalhador, meu coração acelera. Lembro das histórias que meus avós contavam, sobre a maria-fumaça, sobre a estação de trem, o teatro de arena. Hoje tudo é deserto, a locomotiva jaz a céu aberto, o crack toma conta das noites, a violência bate à porta da Câmara dos Vereadores. “Corruptos!” - “Essa realidade precisa mudar”.

Primeiro ponto da Goiás, finalmente consigo me sentar! O ônibus desacelera, uma multidão entra e sai. Testemunho o furto de um boné, ali em frente à Catedral da Fé. “Jogo de Espelhos” - rio comigo mesmo e lembro da Facul, dos colegas de Jornal. Abro discretamente a mochila, confiro a câmera, as tintas, a bandeira. “Tá tudo aqui”. Um gole d’água pra matar a sede. “Sede de justiça!” À frente já dá pra ver o movimento, uma aglomeração maior de carros, um buzinaço, uma fumaça cinzenta. “É o protesto!” Salto do ônibus e decido fazer o resto do caminho à pé, com alguns companheiros de luta que estão do lado direito da avenida, ali, pouco depois da Paranaíba. “Vamos mudar essa realidade!”

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

Ouço o burburinho que vem da Praça do Bandeirante, lembro que meus pais não sabem que estou ali. “É perigoso, filho...” Mesmo assim, eu tinha que vir. “O gigante acordou”. “Desculpe os transtornos, estamos mudando o país”. O Bandeirante, lá de cima, olha sisudo o movimento a seus pés. “Onde está minha Praça?”, pensa ele, bateia e bacamarte em mãos. Acabou-se o ouro, acabaram-se os índios. “Para onde vou?”, indaga-se diariamente, contemplando o corredor de ônibus que levou sua Praça. Símbolo de uma cultura forjada, de fato parece não haver mais espaço para desbravadores por aqui. “Diabo Velho, desça daí! Venha mudar essa realidade!”

Pneus em chamas, trânsito interrompido, as mídias, em peso, cobrem a manifestação. Encontro alguns colegas de Jornal, avançamos juntos, passo firme, rumo à Praça Cívica. A polícia acompanha o movimento, alguns a cavalo, outros no choque. Lembro dos protestos das semanas anteriores, dos colegas que se machucaram, dos que foram levados pela polícia, das armas que foram apontadas em nossa direção. “Sem violência!” Tiro a bandeira verde-amarela da mochila, empresto o spray a um camarada que passou à minha esquerda. “Sem partido!” As vozes das ruas começam a ganhar força, conforme nos aproximamos do Palácio das Esmeraldas. “Vem pra rua, pra rua vem!”

Faço da bandeira uma capa. “Sou um herói, um herói nacional!” Meu cartaz agora soma-se a milhares de outros, o protesto é o mais bonito dos últimos dias. “Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor...” Praça Cívica. “Que demonstração de civismo!” Olho pro Monumento às Três Raças. “Índio, negro, branco: quem sou eu?” Olho ao redor, a noite cai, quero viver cada minuto intensamente. Faço saltar a câmera, subo num muro próximo, tiro uma foto da galera. “Sou jornalista”, penso com orgulho. “Estou mudando a História”. Choro, emocionado, por dentro - não quero que me vejam chorar.

O Centro Administrativo, sempre tão imponente, parece pequeno diante da multidão. A vidraça me faz lembrar novamente do texto de Cultura. “Não importa, estou fazendo história!” Continuamos a marcha, já nou sou eu quem marcha, é o povo quem marcha. A liberdade guia o povo. O povo guia o futuro da nação. “Que país é esse?” Uma legião toma conta da maior urbe goiana. Por alguns momentos, o futebol e a novela ficam em segundo plano. Por alguns momentos. Uma noite, talvez menos. “Mas já é alguma coisa...” 

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

Um princípio de confusão, correria, fumaça, gás pimenta, empurra-empurra. “Corre, corre!” Perco de vista os colegas, fica difícil respirar, levo algumas bordoadas da polícia que até então nos entregava flores. “Ei, polícia, cadê seu reajuste?” Tomo o rumo da Praça Universitária, a maioria dos estudantes parece seguir por ali. “Caminhando e cantando e seguindo a canção, Somos todos iguais, braços dados ou não”. Acho que é hora de voltar pra casa, tenho um caminho longo até lá, meus pais me esperam, mal sabem onde e como passei as últimas horas.

Chego em casa. Minha mãe me aguardava ansiosa. “Meu filho, você foi se meter naquele protesto, né?” Bom, acho que não deu pra esconder... Tomo um banho frio, desacelero o coração para a noite de sono que se aproxima. Sento à mesa pra comer alguma coisa, ligo a TV pra ver como estão os protestos em todo o país. No Rio de Janeiro, a Avenida Rio Branco foi tomada pelos manifestantes. Em São Paulo, a Paulista. Em Brasília, ocuparam o teto do Congresso Nacional! “Yes!” - deixo escapar um estranho grito de satisfação e esperança. “Fizemos História!”

“Enquanto uma maioria pacífica conduziu as manifestações, uma minoria de baderneiros depredou a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro” - ouvi o Willian Waack, relatando a manifestação carioca. “Em São Paulo, uma maioria [...], uma minoria [...].” “Já em Brasília, a maioria [...], enquanto uma minoria [...]” Maioria e minoria. Claros e escuros. Pacíficos e baderneiros, arruaceiros, vândalos. “Quem sou eu?” Casa, rua; rua, casa: “Quem sou eu?” Estudante, trabalhador, bandeirante, cidadão, polícia: “Quem sou eu? Que realidade eu quero mudar? Que História eu quero fazer? Que Avenida eu quero seguir? Em que Praça eu quero chegar?”

Sigo para o quarto, cama feita, apago a luz. Contrariado, deito a cabeça sobre o travesseiro e, pelo fone de ouvido, ouço as palavras de Vandré, ainda envolto em meus questionamentos: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.”

Arte: Decy/Morbeck Foto: Ailton Sousa

Texto: Ailton Sousa

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Língua Portuguesa I - Aula 12

O gênero RESENHA

A resenha possui duas funções principais: 1) descrever o objeto resenhado, enumerando suas propriedades principais, as circunstâncias que o envolvem, fazendo um resumo seletivo/não-exaustivo do conteúdo desse objeto, filtrando aquilo que é essencial/funcional para as intenções do autor da resenha; 2) fornecer uma avaliação sobre o objeto resenhado, oferecendo ao leitor da resenha informações suficientes para que ele possa decidir quanto à consulta ou não do original.

Os objetos de uma resenha são variados: filmes, shows, exposições de arte, livros, concertos, textos, obras culturais, um acontecimento qualquer da realidade (exemplo: partida de futebol), etc.

As resenhas podem ser publicadas em: 1) revistas e jornais de grande circulação; 2) periódicos (no caso de resenhas acadêmicas).

As resenhas acadêmicas possuem um público restrito (membros da academia/universidade) e tema bem definido (livros/artigos publicados recentemente). São normalmente constituídas de quatro blocos textuais: 1) assunto do livro e características gerais; 2) visão geral da obra (estrutura e detalhamento das partes); 3) observações do autor da resenha sobre o valor das partes (este terceiro bloco pode vir mesclado com o segundo); 4) veredicto do autor da resenha sobre a obra como um todo (recomenda, recomenda com restrições ou desaconselha a leitura da obra).

Em uma resenha, não se percebe nem a presença do emissor, nem do receptor. A linguagem é em terceira pessoa, o que confere certa neutralidade à resenha - na seleção e na organização já ocorre a intenção de quem escreve. A ABNT denomina a resenha como resumo crítico. Misturam-se, em uma resenha, partes descritivas, narrativas e dissertativas. Em geral, sobressaem-se a descrição e a dissertação, por isso as resenhas são classificadas em descritivas ou dissertativas.

Nas resenhas descritivas, predomina a descrição das propriedades da obra (no caso de um livro: título, autor, idioma original, tradutor, editora, coleção a que pertence, número de páginas, preço, lugar e data de publicação, volume e número de volumes da coleção, etc.). Relata as credenciais do autor, resume a obra (ideias ou trama - traços narrativos, não-exaustivos), apresenta metodologia empregada, expõe um quadro de referências em que o autor se apoiou, diz a quem se destina (público).

Nas resenhas dissertativas, além da descrição das propriedades e do breve resumo do que é essencial ao conteúdo do objeto resenhado, há o julgamento do autor da resenha sobre as ideias e o valor da obra. O autor da resenha apresenta suas conclusões, apresenta uma avaliação da obra, avalia as informações nela contidas, a forma como foram expostas, justifica a avaliação realizada, levanta argumentos sobre a qualidade do texto ou ausência dela.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Filosofia - Aula #

Início da terceira parte do curso: o filme como meio de reflexão filosófica - associações de gêneros cinematográficos e filosofia. Tema de hoje: Hegel e o Western.

Primeira parte da aula: breve apresentação de um artigo sobre o tema, disponível em www.inquietude.org. Segunda parte da aula: filme "Matar ou Morrer" (título original: "High Noon"; ano: 1952).

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Sociologia - Aula #

Seminários:
  • S05: VIANA, N. História em quadrinhos e capital comunicacional
  • S06: MARQUES, E. Quadrinhos e Luta cultural

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Língua Portuguesa I - Aula 11

O gênero CONTO

Comecemos por diferenciar o conto popular do conto literário. O primeiro consiste na forma popular/folclórica de criação coletiva da linguagem. O segundo consiste na forma artística, produto exclusivo de um estilo peculiar/individual.

Os contos populares advêm de heranças de crenças e mitos primitivos que se adaptaram a novos contextos culturais. Provêm de camadas não letradas da população, da literatura oral tradicional. São obstáculos ao conto popular as transformações do modo de vida das sociedades industrializadas, onde predomina a televisão, a qual não só "conta", como também "mostra", moldando a imaginação do leitor. Atualmente, o conto popular tende a restringir-se, portanto, aos meios rurais ou localidades que estejam distantes da indústria, da eletricidade, da televisão, onde o sentar-se ao redor da fogueira para contar histórias (casos, contos) insiste em sobreviver.

Os contos literários têm, em suas origens, esses casos populares, com função lúdica e moralizante, construídos e reconstruídos por contadores de histórias das comunidades, os quais tentavam seduzir seu auditório ao compartilhar acontecimentos, sentimentos e ideias. A própria limitação/concisão do conto literário advém dos contos/casos populares, da tradição oral - ao contrário do romance, que tem suas raízes na cultura escrita e na leitura.

Características: o conto é breve/conciso (qualitativamente), curto (quantitativamente possui um número reduzido de linhas), em contraste com o romance, que é longo; tem um número reduzido de personagens, geralmente anônimas e prototípicas (rei, princesa, padre, dragão); sua ação é concentrada (poucas ou apenas uma ação); sua localização temporal é indefinida (o que lhe dá caráter de permanência temporal). O tipo textual é o narrativo, em prosa; o esquema temporal e espacial é restrito. Possui uma unidade de tom, efeito, tensão e intenção: não há intrigas secundárias, como no romance, o que lhe confere uma imensa força derivada da totalidade dessa unidade.

Temas: diversos - maravilhosos, da carochinha, de animais, de adivinhação, religiosos, de fada, etc. O conto busca o insólito, a surpresa, o inédito do "já visto". Pode ser extraído de um fragmento da realidade, um episódio fugaz, dados extraordinários do real, que muitas vezes passam despercebido. Numa analogia dialética, a vida seria a tese; a expressão escrita da vida, a antítese; o conto, a síntese: simultaneamente uma síntese viva e uma vida sintetizada. A fugacidade numa permanência. Metaforicamente, o conto estaria para a fotografia, assim como o romance está para o filme.

Estudos Teóricos: na teoria sobre o gênero conto de Edgar Alan Poe, há três princípios básicos:
  1. extensão; 
  2. efeito único; 
  3. contenção
O conto deve ser curto, evitando a dispersão do leitor, permitindo a leitura em uma só "assentada" (não há interrupções na leitura como ocorre com o romance). Há, no conto, uma unidade de tom, de tensão, de intensidade, como que sequestrando o leitor, construindo uma ponte entre o leitor e a intenção do autor, mantendo-se a reação/excitação de quem lê durante um tempo suficiente: nem longo demais, nem breve demais, evitando que o efeito se dilua. Assim, o autor faz uma contenção de tudo aquilo que não convirja essencialmente para o drama, eliminando situações ou ideias intermédias que o romance permite e mesmo exige. No conto vai ocorrer algo e esse algo será intenso. O ímpeto natural da arte para o belo fica legado à poesia - a concisão do conto é um de seus limites potenciais. O conto, em resumo, é uma máquina literária de criar interesse.